Cessão de servidores efetivos deve ocorrer em casos excepcionais e ser motivada por interesse público

Sede da Prefeitura Municipal de Japurá, localizado no norte do Estado do Paraná. Foto: divulgação.

É possível, em caráter excepcional, a cessão de servidor público municipal da área da saúde, com ônus para o Município, para exercer funções inerentes ao seu cargo efetivo junto à entidade privada sem fins lucrativos. Contudo, para tanto, é necessário que haja motivação expressa que demonstre o interesse público e a ausência de prejuízo, bem como observância à legislação local. Além disso, a cessão do servidor deverá ser formalizada mediante celebração de convênio ou outro instrumento equivalente, que regulamente o ato de cooperação, e ocorrer em caráter temporário, com prazo certo e definido, previsto no respectivo instrumento de colaboração.  

A Constituição do Estado do Paraná, em seu artigo 43, expressamente permite a possibilidade de cedência de servidores para entidades privadas sem fins lucrativos, desde que a entidade privada cessionária desenvolva em parceria com o Município atividades consideradas de utilidade pública. 

Por sua vez, no que diz respeito aos serviços públicos de saúde, tanto a Constituição Federal quanto a Lei nº 8.080/1990 preconizam que tais serviços sejam prestados de maneira direta, mediante a estrutura e corpo de pessoal próprios dos órgãos e entes públicos. Porém, ambos os dispositivos admitem a participação complementar da iniciativa privada no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), tendo preferência as entidades filantrópicas e as sem fins lucrativos, conforme previsto no art. 199, §1º, da CF/88. Ademais, o art. 24 da Lei nº 8.080/1990 também esclarece que a participação complementar está condicionada à insuficiência da estrutura própria do SUS. 

Nesse sentido, as parcerias celebradas com a iniciativa privada para a prestação da atividade fim da administração pública devem ocorrer em caráter excepcional e exclusivamente complementar, devendo, sempre que possível, os serviços de saúde serem prestados pelo Estado de forma direta. 

Essa é a orientação do Pleno do Tribunal de Contas do Estado (TCE-PR), expressa no Acórdão n° 499/24, nos termos do consignado pela unidade técnica e pelo Ministério Público de Contas do Paraná (MPC-PR), em resposta a Consulta formulada pelo Município de Japurá a respeito da legalidade do projeto de lei que autoriza o poder público municipal a ceder, com ônus para o Município, servidor público municipal da área da saúde para exercer funções inerentes ao seu cargo efetivo junto a Associação Hospitalar e Maternidade Santa Terezinha, na intenção de reforçar as equipes de tratamento e atendimento aos pacientes da cidade. 

Instrução do Processo 

Instada a se manifestar, a Coordenadoria de Gestão Municipal (CGM) respondeu, em síntese, que o TCE-PR já reconheceu no âmbito do processo de Consulta n° 276250/21 a possibilidade de cessão de servidores municipais para outros entes públicos municipais, estaduais ou federais, da Administração direta ou indireta, desde que presentes os seguintes requisitos: i) existência de lei autorizativa; ii) interesse público na realização da cessão; iii) regulamentação por meio de ato administrativo e iv) caráter temporário, com prazo certo e determinado.  

Mediante o Parecer n° 276/23, o Ministério Público de Contas afirmou que, a título excepcional, quando houver lei específica, é possível a cessão com ônus para o Município de servidor público municipal da área da saúde, com a finalidade de exercer funções inerentes ao seu cargo efetivo junto à entidade privada sem fins lucrativos, desde que presentes os requisitos elencados pela unidade técnica. 

Ainda, o MPC-PR lembrou que, no que se refere aos ônus, uma vez que a cessão de servidor é por tempo determinado, em caráter de colaboração, a remuneração recairá, em regra, para o cessionário, podendo haver disposição em contrário, nos termos da lei que autoriza a cessão. Nesse caso, destacou que o TCE-PR já disciplinou sobre a forma de declaração e contabilização das obrigações trabalhistas e fiscais relacionadas à cessão de servidores entre entes federativos diversos, conforme expresso no Acórdão nº 2316/16, referente a processo de Consulta formulado pelo Município de Bandeirantes.  

Por fim, a título de conhecimento, o órgão ministerial reforçou que o Tribunal de Contas tem orientação expressa quanto à impossibilidade de cessão funcional de servidores ocupantes exclusivamente de cargos em comissão, conforme o Prejulgado nº 25. 

Decisão 

Em sede de julgamento, o Relator Conselheiro Maurício Requião de Mello e Silva destacou que, via de regra, o servidor deve prestar serviço ao órgão a que está vinculado, caracterizando a cessão de servidores como medida absolutamente excepcional, que deve estar fundada na consecução do interesse público. 

No que se refere a prestação de serviço público de saúde, observou que em que pese a Constituição Federal autorize que a sua execução seja livre à iniciativa privada (art. 199), isso não desonera o Estado do seu dever de prestá-la diretamente (art. 196). Sendo assim, sempre que possível os serviços de saúde devem ser prestados pelo Estado de forma direta. 

Todavia, o Relator reconhece as dificuldades vivenciadas pelos administradores públicos municipais, em especial os que comandam municípios de pequeno porte, para ofertar de forma adequada assistência à saúde em seu território, visto que a falta de interesse dos profissionais da saúde na realização de concursos públicos e processos seletivos, bem como a ausência de recursos para a realização de obras e aquisição de materiais e bens permanentes necessários para a prestação dos serviços, são alguns dos obstáculos usualmente enfrentados. 

Contudo, pontua que esta situação não deve ser utilizada pelo administrador público como desculpa para transferir integralmente a prestação dos serviços públicos de saúde a iniciativa privada, ainda que a entidade não possua finalidade lucrativa. Aliás, é preciso destacar que as parcerias celebradas com a iniciativa privada para a prestação da atividade fim da administração pública devem ocorrer em caráter excepcional e exclusivamente complementar. 

Neste contexto, bem como considerando que compete ao Poder Executivo legislar sobre o regime jurídico dos seus servidores, o Relator acompanhou as manifestações da CGM e Ministério Público de Contas, a fim de votar pelo conhecimento e resposta da Consulta pela possibilidade da cessão de servidor público municipal da área da saúde para prestar serviços perante entidade privada sem fins lucrativos. Contudo, a legislação deve especificar que a cessão de servidor público para entidade privada possui caráter excepcionalíssimo e deve estar fundada inequivocamente no interesse público, bem como preencher as seguintes exigências: i) motivação expressa que demonstre o interesse público e a ausência de prejuízo; ii) formalização mediante celebração de convênio ou outro instrumento equivalente, que regulamente o ato de cooperação; iii) caráter temporário, com prazo certo e definido, previsto no respectivo instrumento de colaboração; iv) observância à legislação local. 

Os membros do Tribunal Pleno aprovaram, por unanimidade, o voto do Relator, conforme a decisão contida no Acórdão n° 499/24. 

 Informação para consulta processual

Processo nº: 716483/22
Acórdão nº: Acórdão n° 499/24 – Tribunal Pleno
Assunto: Consulta
Entidade: Município de Japurá
Relator: Conselheiro Maurício Requião de Mello e Silva