Consulta orienta sobre requisitos para aplicação de taxa de administração negativa por empresa que fornece vale-alimentação

Imagem meramente ilustrativa. Foto: divulgação.

A proibição estabelecida no art. 3°, incisos I e III, da Lei n° 14.442/22, que dispõe sobre o pagamento de auxílio-alimentação ao empregado conforme o regime trabalhista (CLT), aplica-se apenas aos órgãos e entidades da Administração Pública cujo quadro de pessoal seja formado por empregados públicos, submetidos ao regime celetista, ficando vedada, nesses casos, a aceitação de taxas de administração negativas em licitações para a contratação de pessoas jurídicas para o gerenciamento e fornecimento de auxílio-alimentação por meio de cartões ou instrumentos congêneres. 

Essa é a orientação do Tribunal de Conta do Paraná (TCE-PR), conforme entendimento fixado no Prejulgado n° 34, em resposta à Consulta apresentada pelo Consórcio Público Intermunicipal de Gestão da AMUSEP – PROAMUSEP, por intermédio de seu representante legal, Marcondes Araújo da Costa. 

Durante a instrução do processo, mediante o Parecer n° 198/24, o Ministério Público de Contas do Paraná (MPC-PR) se manifestou pelo não conhecimento da Consulta, tendo em vista que considerou que não houve o atendimento da exigência do art. 311, III, do Regimento Interno. Contudo, o Relator Conselheiro Ivens Zschoerper Linhares divergiu de tal entendimento, determinando o seu conhecimento e o devido prosseguimento do processo. 

Entenda a Consulta 

Na inicial, o consulente formulou questionamentos a respeito das licitações para contratação de empresa de administração e fornecimento do benefício de vale alimentação/refeição, diante das interpretações divergentes do TCE-PR sobre a Lei n° 14.442/22. 

Em síntese, indagou se há entendimento fixado no Tribunal de Contas sobre a aplicabilidade ou não da aceitação da previsão de taxa negativa nos editais que tenham por finalidade os serviços de auxílio-alimentação, bem como sobre a intenção do legislador na redação do art. 3º da Lei nº 14.442/2022, se seria a proteção ao empregado, ou se seria em favorecer a empresa que fornece o cartão. 

A respeito da vedação da forma de pagamento à contratada que descaracterize a natureza pré-paga do serviço, tendo em vista a ressalva feita por decisão desta Corte (Acórdão 1625/22) sobre as entidades pertencentes ao Programa de Alimentação do Trabalhador (PAT), também perguntou se as mesmas condições são aplicadas ao consórcio público, que não faz parte do PAT, e se poderia ser vedado o pagamento antecipado em favor da empresa contratada. 

Análise técnica e jurisprudência 

Instada a se manifestar, a Coordenadoria de Gestão Municipal (CGM) esclareceu que até a edição da Lei n° 14.442/22, o TCE-PR possuía jurisprudência consolidada no sentido de admitir a adoção de taxas negativas de administração em licitações para a contratação de pessoas jurídicas administradoras de benefício de auxílio-alimentação, sendo predominante a tese de que, desde que não imposta pelo ente público contratante, mas ditada pelo próprio mercado, por meio da disputa licitatória, a taxa negativa seria aceita (Acórdão nº 2252/17 – Pleno).  

No entanto, com a entrada em vigor da referida lei, foi expressamente vedada a utilização de “taxa negativa” pela pessoa jurídica contratada para o fornecimento do auxílio-alimentação de que trata o § 2º do art. 457 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).  

Dessa forma, visando a busca de uniformização no entendimento da matéria, o TCE-PR instaurou o Prejulgado n° 34 (Acórdão nº 1053/24), definindo que para as entidades da Administração Pública, cujo quadro de pessoal seja formado por empregados públicos, submetidos à disciplina normativa da CLT, fica vedada a aceitação da taxa de administração negativa nos processos licitatórios para a contratação de pessoas jurídicas administradoras de benefício de auxílio-alimentação. A proibição não incide, por sua vez, no caso de licitação para fornecimento de auxílio-alimentação ou benefício de nomenclatura similar a servidores estatutários. 

Em relação a ressalva feita sobre a entidade pertencente ao PAT, por meio da decisão proferida no Acórdão 1625/22, a CGM observou que o Pleno do Tribunal de Contas havia concedido medida cautelar a fim de suspender a licitação por conta da previsão em edital que poderia restringir a competitividade apenas às empresas que teriam meios de conceder prazo (após emissão da nota fiscal) para o pagamento dos auxílios-alimentação disponibilizados. Ocorre que no julgamento do mérito deste processo, a decisão foi em sentido oposto, revogando-se a medida cautelar e julgando improcedente o objeto da Representação, sob o fundamento de que “o que a legislação correlata à matéria disciplina é a necessidade de o crédito ser disponibilizado ao beneficiário (trabalhador) de maneira antecipada ao labor, de modo a conservar a natureza pré-paga, e não a forma como ocorrerá o pagamento pelos serviços à empresa contratada”. 

Nessa linha, a Administração Pública deve observar os estágios de realização da despesa pública previstos nos arts. 60 a 64 da Lei n° 4.320/64, correspondentes ao empenho, liquidação e pagamento, de modo que a efetiva contraprestação pecuniária deve ocorrer somente após a comprovação da prestação do serviço. Ou seja, tratando-se de recursos públicos, o repasse de valores pela Administração à empresa intermediadora dos benefícios de auxílio-alimentação deve ocorrer, em regra, apenas após a disponibilização dos créditos aos trabalhadores e a apresentação da documentação comprobatória. 

Ademais, ressaltou que a antecipação de pagamento pelos entes públicos é admitida apenas em hipóteses excepcionais, que devem estar expressamente justificadas em cada caso concreto, conforme disposto no art. 145, § 1° da Lei 14.133/2021, ainda mais considerando os riscos a que se expõe a Administração em tais situações. 

Ao final, a Coordenadoria de Gestão Municipal opinou pelo conhecimento da Consulta e emissão de resposta nos termos da Instrução n° 2591/24. 

Ministério Público de Contas 

Mediante o Parecer Ministerial n° 198/24, o MPC-PR se manifestou, preliminarmente, pelo não conhecimento da Consulta, pois considerou que não foram preenchidos os requisitos legais para sua admissibilidade, consoante interpretação do artigo 38 da Lei Orgânica do TCE-PR (Lei Complementar nº 113/2005). Isso porque, a mesma não foi formulada em face de dispositivos legais ou regimentais específicos, não sendo possível identificar sobre quais enunciados se tratava a dúvida objetiva proposta.  

Acrescentou, ainda, que entende que as questões formuladas buscavam suprir eventuais lacunas interpretativas decorrentes das decisões desta Corte, de modo que não cabe reanalisar as decisões proferidas, uma vez que coesas com o entendimento dominante acerca do tema.  

Porém, na hipótese de o Relator considerar pelo recebimento da Consulta, em atendimento ao princípio da economia processual, a Procuradoria-Geral do MPC-PR opinou que os quesitos sejam respondidos nos termos propostos pela CGM, em conformidade com os enunciados fixados no Prejulgado 34 do TCE-PR e demais normas referentes às despesas públicas.  

Decisão 

Em sede de julgamento, o Relator Conselheiro Ivens Zschoerper Linhares afastou a preliminar levantada pelo Ministério Público de Contas, ao considerar que a Consulta foi apresentada por autoridade legítima, acompanhada de parecer jurídico, sendo possível identificar que os questionamentos diziam respeito à interpretação e à aplicação do art. 3°, incisos I e II da Lei n° 14.442/2022. 

No tocante ao fato de já haver decisões deste Tribunal de Contas acerca do tema, destacou que apenas o primeiro questionamento foi objeto, também, do Prejulgado n° 34, e que este só foi decidido, nos termos do Acórdão n° 1053/24, quando a presente consulta já estava em tramitação, de modo que não há prejuízo em responder ao primeiro questionamento, reiterando o que foi fixado no Prejulgado. Já os demais questionamentos tratavam, de modo geral, do inciso II do art. 3° da Lei n° 14.442/2022, o qual, embora já tenha sido analisado em alguns casos concretos, não foi objeto de decisão com efeitos normativos, inexistindo, assim, qualquer óbice à sua apreciação. 

Dessa forma, acolhendo a manifestação da Coordenadoria de Gestão Municipal, os membros do Tribunal Pleno acompanharam o voto do Relator pelo conhecimento e resposta à consulta, conforme Acórdão nº 3337/24, nos seguintes termos: 

1) Considerando que a Lei n° 14.442/22 vem sendo objeto de interpretações divergentes no TCE/PR, há posição sedimentada neste Tribunal sobre a aplicabilidade ou não de taxa negativa?  

Resposta: Sim. Nos termos do Prejulgado n° 34 (Acórdão n° 1053/24 – Tribunal Pleno), foi fixado o seguinte entendimento:  

I – A proibição estabelecida no art. 3°, I e III, da Lei n° 14.442/22 aplica-se apenas aos órgãos e entidades da Administração Pública cujo quadro de pessoal seja formado por empregados públicos, submetidos ao regime celetista, ficando vedada, por conseguinte, nesses casos, a aceitação de taxas de administração negativas em licitações para a contratação de pessoas jurídicas para o gerenciamento e fornecimento de auxílio-alimentação por meio de cartões ou instrumentos congêneres;  

II – Quanto aos demais entes da Administração Pública, que concedem o auxílio-alimentação ou benefício de nomenclatura similar com base em previsão estatutária, não se aplica a restrição do art. 3°, I e III, da Lei n° 14.442/22, admitindo-se a taxa de administração negativa nas respectivas licitações para este objeto. 

2) A posição do Tribunal se dá na interpretação de que a intenção do legislador na redação do art. 3º e seus incisos seria a proteção do empregado, parte hipossuficiente na relação trabalhista, de forma a garantir que o VA ou VR seja pago de maneira pré-paga naquele mês referência, ou se este pagamento se faz em favor da empresa que fornece o cartão?  

Resposta: A expressão “natureza pré-paga”, contida no artigo 3º, inciso II, da Lei n° 14.442/22, refere-se à necessidade de disponibilização do benefício aos empregados de forma antecipada ao labor, ou seja, o carregamento dos cartões pelas empresas administradoras, com a disponibilização do valor referente ao auxílio-alimentação, deve ocorrer previamente ao mês trabalhado, de modo a garantir o caráter pré-pago do benefício, em prol dos trabalhadores.  

Ademais, o dispositivo deve ser interpretado em consonância com as normas de direito financeiro que tratam da necessária observância, pela Administração Pública, dos estágios de realização da despesa pública (arts. 60 a 64 da Lei Federal n° 4.320/64), correspondentes ao empenho, liquidação e pagamento, sendo a antecipação de pagamento admitida apenas em situações excepcionais.  

Nesse quadro, o repasse de valores pelas entidades da Administração Pública à empresa intermediadora dos benefícios de auxílio-alimentação deve ocorrer, em regra, apenas após a disponibilização dos créditos aos trabalhadores e a apresentação da respectiva documentação comprobatória. 

3) Ao consórcio público que não possui cadastro no PAT, também se aplicaria o entendimento contido no Acórdão n° 1652/22 – Tribunal Pleno?  

Resposta: Prejudicado.  

De todo modo, a circunstância de a entidade da Administração Pública estar ou não inscrita no PAT é irrelevante para definir o momento de pagamento da empresa contratada, diante da necessidade de observância às regras de direito financeiro quanto às despesas públicas. 

4) Poderia ser vedado o pagamento antecipado para a empresa contratada, a fim de preservar a segurança jurídico-financeira da entidade? 

Considerando a necessidade de observância, pelos entes públicos, às normas de direito financeiro relativas à realização das despesas públicas, sendo a antecipação de pagamento admitida apenas em situações excepcionais, devidamente justificadas, resta prejudicado o questionamento. 

Informação para consulta processual

Processo nº: 609796/23
Acórdão nº: 3337/24 – Tribunal Pleno
Assunto: Consulta
Entidade: Consórcio Público Intermunicipal de Gestão da Amusep (PROAMUSEP)
Relator: Conselheiro Ivens Zschoerper Linhares