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O Município da Lapa deve adequar seus procedimentos para que passe a contabilizar as despesas decorrentes de contratações de serviços médicos terceirizados, nos casos que envolvam a prestação de serviços de Atenção Básica de Saúde, no item “Outras Despesas de Pessoal”. Isso porque, é necessário que tais gastos sejam incluídos nos cálculos de despesa total de pessoal para apuração dos índices da Lei de Responsabilidade Fiscal – LRF (Lei Complementar n° 101/2000).
Essa foi uma das medidas determinadas pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE-PR), ao julgar procedente a Representação apresentada pelo Ministério Público de Contas do Paraná (MPC-PR) – processo nº 341075/19 – em face do Município da Lapa, por meio da qual noticiou indícios de irregularidades na terceirização de serviços de saúde e contabilização irregular de despesas.
Na decisão, proferida no Acórdão nº 4515/24, o Relator Conselheiro Jose Durval Mattos do Amaral concluiu que o ente municipal falhou em preencher o quadro próprio de servidores. Sendo assim, também foi recomendado que o Município adote providências para viabilizar o preenchimento do quadro de vagas efetivas de médicos, em especial no que tange aos serviços destinados à Atenção Básica de Saúde, bem como determinou-se a aplicação de multa ao ex-Prefeito Paulo Cesar Fiates Furiati (gestão 2017-2020), em decorrência da reiterada terceirização irregular de serviços de saúde praticada durante sua gestão.
Entenda a Representação do MPC-PR
Durante a execução do Projeto de Fiscalização de Terceirização de Médicos Plantonistas, realizado no período de julho/2017 a agosto/2019, o MPC-PR verificou que a estrutura de saúde do Município era composta por 25 unidades públicas de saúde, havendo 132 cargos de médicos efetivos criados pela legislação municipal, dos quais apenas 26 estavam ocupados.
Já em relação aos cargos inerentes aos serviços de atenção básica municipal, das 21 vagas para médico clínico geral plantonista e 30 vagas para médico clínico geral (20 e 40 horas), somente 3 vagas de plantonista e 5 vagas de médico clínico geral (40 horas) estavam preenchidas, demonstrando a defasagem de ao menos 43 profissionais. Por sua vez, identificou-se uma série de empenhos emitidos ao longo dos anos em favor de empresas credenciadas para a prestação de serviços médicos, os quais demonstram que a terceirização destes serviços acontece de maneira contínua e programada.
Além disso, a análise dos empenhos realizados pelo Município revelou que essas despesas estavam sendo equivocadamente contabilizadas como “Demais Despesas com Serviço Médico” quando, o correto, seria contabilizar no item “Outras Despesas de Pessoal”. Para o MPC-PR tal fato constituiu irregularidade, visto que a incorreta classificação da despesa altera a percepção da realidade fiscal do Município.
Defesa
Em sede de contraditório, a ex-Prefeita Leila Aubrift Klenk (gestão 2013-2016) alegou sua ilegitimidade passiva no processo, uma vez que não estava à frente da gestão municipal no período compreendido entre o ano de 2018 a 2019, sobre o qual o Ministério Público de Contas realizou a análise dos empenhos emitidos pelo Município da Lapa.
Por fim, afirmou que diante do insucesso no preenchimento das vagas através do concurso público realizado em 2014, por fatores indisponíveis à administração, foi realizado o Processo Seletivo Simplificado nº 03/2015. Contudo, apesar dos esforços por meio dos certames realizados, não foi possível atender de forma adequada a demanda de profissionais necessários à execução dos serviços médicos no Município. Diante disso, sustentou que a administração adotou todas as providências ao seu alcance para evitar a carência de serviços médicos.
No mesmo sentido se manifestou o Município da Lapa, ao informar que realizou a terceirização dos serviços médicos visando conferir maior efetivação do direito à saúde, de modo a complementar a prestação pública do serviço e não substituir servidores efetivos.
Quanto à alegação da incorreta contabilização das despesas, o ente defendeu que a inclusão das despesas em “Outras Despesas de Pessoal” deve ser utilizada quando houver substituição de servidores e empregados públicos, o que não se enquadra no caso em análise, pois os credenciados são prestadores de serviços, inexistindo vínculo laboral com a administração tal como ocorre com os servidores públicos. Argumentou, ainda, que em 2018 o Município apresentou redução no índice de gastos com pessoal e promoveu o aumento dos recursos investidos em saúde, de modo que considerou restar comprovada a eficiência da política de saúde e do modelo de gestão adotado pela administração local.
Instrução técnica
Instada a se manifestar, a Coordenadoria de Gestão Municipal (CGM) observou que o Município da Lapa tem, de forma constante, realizado a terceirização de médicos, em ofensa à obrigatoriedade da regra do concurso público, especialmente de clínicos gerais diaristas e plantonistas, mesmo havendo previsão em Lei de diversas vagas para este cargo. Em que pese o gestor municipal ter demonstrado que houve um aumento na qualidade e quantidade dos serviços médicos prestados, não cabe a alegação de que não seria “prudente” a contratação de mais profissionais através de concurso, uma vez que as reiteradas contratações realizadas desde o ano de 2017 indicam a necessidade de mais médicos para prestarem serviços nas Unidades Básicas de Saúde.
Nesse sentido, a unidade técnica realizou uma nova análise da situação do Município em dezembro de 2022, a qual revelou que, apesar da defasagem do quadro de pessoal, o ente não promoveu nenhum novo concurso público para médicos efetivos, mesmo havendo a possibilidade orçamentária, visto que o Índice de Despesa com Pessoal do Poder Executivo da Lapa, no segundo semestre do ano de 2021, foi de 47,63%, estando abaixo do índice previsto no art. 19, III e art. 20, III, b da LRF.
Em contrapartida, verificou-se uma série de empenhos liquidados e de processos de inexigibilidades de licitação para a contratação de serviços médicos entre 2021 e 2022, demonstrando a preferência do Município em realizar contratações com instituições particulares, em detrimento da realização de concurso público.
Quanto ao cálculo das despesas, a CGM destacou que a Lei de Responsabilidade Fiscal é muito clara ao determinar em seu art. 18, §1º que as despesas advindas dos contratos de terceirização que se referirem a substituição de servidores e empregados públicos serão contabilizados como “Outras despesas de pessoal”. Excepcionalmente, é admitida a exclusão dos valores despendidos com a terceirização de serviços médicos que não estejam compreendidos na Atenção Básica à Saúde, cuja execução é de competência municipal, mediante a comprovação de que estejam voltados a serviços médicos especializados.
Dessa forma, a unidade técnica entende que os serviços relacionados à Atenção Básica de Saúde, tais como aqueles de médico clínico geral e clínico geral plantonista, devem ser incluídos no cálculo de despesas com pessoal, uma vez que há diversos cargos vagos previstos em lei para estes profissionais. Esse entendimento vai ao encontro da Instrução Normativa nº 56/2011 do TCE-PR, a qual esclarece, em seu artigo 3º, caput, que para fins de apuração deve ser considerada a essência da despesa sobre a forma e, no §2º, assim como a LRF, determina que para apuração devem ser somados os valores decorrentes da terceirização de serviços públicos.
Portanto, diante das irregularidades constatadas, a CGM concluiu seu opinativo pela procedência da Representação, com aplicação de multa ao ex-Prefeito Paulo Cesar Fiates Furiati (gestão 2017-2020), e expedição de determinações ao Município. Apenas em relação a ex-Prefeita Leila Aubrift Klenk (gestão 2013-2016), a unidade optou por deixar de opinar sobre a aplicação da multa, visto que, apesar da ocorrência de terceirizações na área da saúde desde o ano de 2015, a maior parte dos contratos anexados nos autos dizem respeito ao período compreendido entre 2017-2020.
Ministério Público de Contas
Em novas manifestações, mediante os Pareceres nº 337/23 e nº 257/24, o Ministério Público de Contas reiterou seu entendimento expresso na Representação pois, ao contrário dos argumentos elaborados pelo Município, foi possível constatar a ofensa à regra do Concurso Público, já que os médicos contratados prestavam serviços próprios de saúde básica e não em caráter de complementariedade. Além disso, as contratações contrariam o entendimento do TCE-PR pois, a título de exemplo, o Acórdão nº 90/09 do Tribunal Pleno demonstra que a terceirização apenas pode ocorrer em situações excepcionais e justificadas, o que não se aplica a este caso.
O mesmo vale para a questão relacionada ao cálculo de despesas, tendo em vista que a LRF prevê que as despesas advindas de contratos de terceirização, que envolvam serviços básicos de saúde, deveriam ser contabilizadas na rubrica “Outras despesas de pessoal”, o que não foi, e não vem sendo respeitado pela municipalidade, causando a incorreta percepção de sua realidade fiscal.
Diante do exposto, o MPC-PR manteve seu opinativo pela procedência da Representação, sem prejuízo da multa e determinações sugeridas pela Coordenadoria de Gestão Municipal.
Decisão
Em sede de julgamento, o Relator concluiu que o Poder Executivo da Lapa possui responsabilidade direta na defasagem de seu quadro de pessoal, considerando que lhe caberia propor melhorias na carreira médica que viabilizassem o preenchimento de seus cargos públicos e, no entanto, permaneceu inerte, limitando-se a realizar sucessivas contratações de empresas para a realização de serviços que deveriam ser prestados por seus servidores.
E, uma vez demonstrado que o Município não se prestou a adotar quaisquer providências visando a regularização da situação, restou configurado o caráter irregular das terceirizações e respectivas contabilizações das despesas pois, se o Município ao invés de prestar o serviço por meio de seu quadro de servidores ativos opta por prestá-lo mediante a contratação de empresas, é mais do que natural que aos gastos com essas empresas seja dado o mesmo tratamento recebido por aqueles que o Município teria se os serviços fossem prestados por seus servidores.
Dessa forma, conforme decisão proferida no Acórdão nº 4515/24, os membros do Tribunal Pleno acompanharam, por unanimidade o voto do Relator, pela procedência da Representação e adoção das seguintes medidas:
- Determinar ao Município da Lapa que adeque seus procedimentos, de modo que as despesas decorrentes de contratos firmados com terceiros visando contratação de serviços médicos nos casos que envolvam a prestação de serviços de Atenção Básica de Saúde sejam contabilizadas no item “Outras Despesas de Pessoal” (elemento de despesa 3.3.90.34), de modo a incluí-los nos cálculos de despesa total de pessoal para apuração dos índices da Lei de Responsabilidade Fiscal, em conformidade com as diretrizes da Instrução Normativa n° 56/2011 e com a LRF, devendo encaminhar a este Tribunal, para fins de verificação do cumprimento da determinação, pelo período de 12 meses os próximos empenhos contendo gastos decorrentes de contratos de terceirização de serviços de saúde;
- Recomendar ao Município da Lapa que adote as providências necessárias a fim de viabilizar o preenchimento do quadro de vagas efetivas de médicos necessárias ao atendimento da demanda da municipalidade, em especial no que tange aos serviços destinados à Atenção Básica de Saúde, tais como as vagas destinadas aos médicos clínicos gerais plantonistas e médicos pediatras, nos termos da fundamentação, o que deverá ser objeto de monitoramento pela Coordenadoria de Monitoramento e Execuções, de acordo com o Regimento Interno;
- Aplicar a multa administrativa prevista no art. 87, IV, “g”, da Lei Orgânica do Tribunal de Contas ao ex-Prefeito do Município da Lapa, Sr. Paulo Cesar Fiates Furiati (gestão 2017-2020), em decorrência da reiterada terceirização irregular de serviços de saúde praticada durante sua gestão.
Informação para consulta processual
Processo nº: 341075/19 Acórdão nº: 4515/24 – Tribunal Pleno Assunto: Representação Entidade: Município da Lapa Relator: Conselheiro Jose Durval Mattos do Amaral