Mariópolis deve alterar Lei Municipal que regulamenta o pagamento de horas extras à servidores públicos

Sede da Câmara Municipal de Mariópolis. O Município está localizado na região sudoeste do Estado do Paraná. Foto: divulgação.

A Representação apresentada por Vereador da Câmara Municipal de Mariópolis que, no exercício de suas atribuições, buscou o Tribunal de Contas do Paraná (TCE-PR) para fiscalizar possíveis irregularidades relacionadas a pagamentos feitos à servidores públicos em seu Município, foi julgada procedente pelos membros do Pleno, durante a Sessão Ordinária Virtual nº 14. 

Para além de propor, discutir e aprovar as Leis que serão aplicadas nos Municípios, também é dever de um vereador acompanhar as ações do Poder Executivo, verificando se estão sendo cumpridas as normas legais e metas de governo.   

Na inicial, o Vereador relatou a ocorrência de contratações em contrariedade à regra constitucional do concurso público, eis que o Município estava utilizando a emissão de Recibos de Pagamento Autônomo (RPA) para o pagamento de servidores. Além disso, noticiou o pagamento de horas extras em excesso e o aumento de remunerações em desacordo com a Lei Complementar nº 173/2020. 

Representação  

Em síntese, o Representante destacou três ocorrências no Município de Mariópolis que poderiam ser alvo de fiscalização do TCE-PR. A primeira diz respeito à contratação de servidores por meio de Recibos de Pagamento Autônomo (RPA), mês a mês, para pessoas que ocupavam continuamente os mesmos cargos. Sobre essa questão, alegou que tal ocorrência é inconstitucional, visto que a contratação por meio de RPA, em seu entendimento, representa uma burla ao concurso público, em contrariedade ao artigo 37 da Constituição Federal.   

Além disto, o Vereador anexou documentos comprovando que, durante o ano de 2022 e começo de 2023, a Prefeitura estaria pagando horas extras em excesso a determinados servidores, de maneira regular, como se fizessem parte da remuneração. Mencionou que em alguns casos estavam sendo remuneradas cerca de 45 até 94 horas extras dentro de um único mês.   

Por último, noticiou que apesar das proibições impostas pela Lei Complementar nº 173/2020 (que proibiu, durante a pandemia do Covid-19, a concessão de qualquer tipo de vantagem, aumento, reajuste ou adequação de remuneração de agentes públicos), houve o aumento na remuneração de vários servidores, no ano de 2020 e 2021.   

Ao final, requereu a procedência da Representação a fim de que sejam tomadas as providências necessárias diante das contratações irregulares, pagamentos indevidos com horas extras, e aumentos de remuneração em tempo de pandemia.  

Contraditório  

Chamado ao processo, o Município de Mariópolis apresentou defesa, conforme fundamentação do atual Prefeito Mario Eduardo Lopes Paulek. Em relação à possível burla do concurso público, justificou que as contratações foram feitas durante o período da pandemia do Covid-19, uma vez que a defasagem de servidores é uma questão sensível ao Município, de modo que Mariópolis possuía quadro de pessoal enxuto diante das situações caóticas proporcionadas pela pandemia.  

Nesse contexto, afirmou ter sido necessário o enfrentamento emergencial de tal situação, realizando contratações temporárias para que os serviços essenciais à população não fossem interrompidos, motivo pelo qual ocorreram os pagamentos por meio de RPA. Posteriormente, quando assumiu a gestão do Município, realizou estudos mais amplos e viabilizou novo concurso público, o qual foi autuado perante o Tribunal de Contas sob nº 431067/23.  

Em relação as horas extras, afirmou que os pagamentos foram feitos em conformidade com o serviço efetivamente prestado pelos servidores, conforme tentou comprovar anexando ao processo documentos advindos do Departamento de Recursos Humanos. 

Instrução técnica 

Instada a se manifestar, a Coordenadoria de Gestão Municipal (CGM) concluiu pela procedência da Representação. Em análise minuciosa, a unidade técnica verificou que alguns dos servidores que eram beneficiados pelos pagamentos feitos por RPA exerciam funções que não lhes eram adequadas (ex. zeladora com cargo de assessor), ou com fortes indícios de favorecimento político (ex. esposa do presidente da Câmara Municipal). 

Ainda, foi possível verificar que mesmo após realização de concurso público, o Município de Mariópolis optou pelas contratações por meio de RPA, mesmo havendo a possibilidade de convocação dos aprovados em concurso público anterior. Tal situação desconsidera os preceitos democráticos estabelecidos pela Constituição Federal, descumprindo com as regras de prioridade de convocação.  

Em relação ao pagamento de horas extras, a CGM verificou que a Lei Municipal nº 26/2010 que disciplina o assunto não estabeleceu um limite de horas a serem prestadas. No entanto, esse fato não desconsidera a possibilidade de aplicar, subsidiariamente, o limite de 2 horas extras por jornada, conforme previsto no Estatuto dos Servidores Públicos Federais (Lei nº 8.112/1990) e, também, pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ), a qual define que “é possível aplicar, de forma análoga, a Lei Federal nº 8.112/90 em face de falta de regulamentação específica sobre determinada questão na legislação própria do ente federativo”.  

Por este motivo, a unidade técnica sugeriu a emissão de recomendação ao Município de Mariópolis para que revise e altere a Lei Municipal nº 26/2010, para que seja inserido dispositivo sobre os limites de horas extras possíveis, visando sua adequação ao ordenamento jurídico brasileiro. 

Por sua vez, conforme fundamentação exposta no Parecer nº 1134/23, o Ministério Público de Contas do Paraná (MPC-PR) acompanhou o entendimento da CGM pela procedência da Representação, diante da quebra do princípio da prioridade de convocação e a inércia do Município em não promover corretamente o concurso público, motivo pelo qual sugeriu a aplicação da multa administrativa prevista no artigo 87, inciso IV, “g”, da Lei Orgânica do TCE-PR (LOTC), conhecida como Lei Complementar Estadual  nº 113/2005. 

No entanto, discordou a respeito do indevido reajuste salarial realizado durante a vigência da Lei Complementar nº 173/2020, visto que, em seu entendimento, não se tratou de vedada concessão de aumento de remuneração em desacordo com a legislação, mas sim da nomeação originária de cargos em comissão previstos no Anexo II da Lei Municipal nº 37/2005, com enquadramento em nível salarial – CC-5 e CC-8.  

Decisão 

Conforme fundamentação exposta no Acórdão nº 2362/24, de Relatoria do Conselheiro Augustinho Zucchi, determinou-se a procedência da Representação,  com aplicação de multa administrativa, em razão da constatação das seguintes irregularidades: a) contratações havidas em burla à regra constitucional do concurso público, utilizando-se do pagamento de profissionais por meio de RPA (recibo de pagamento autônomo); b) pagamento de horas extras em excesso, de forma incompatível com o cargo/função; c) aumento da remuneração de servidores em desacordo com o artigo8º da Lei Complementar 173/2020; 

Em que pese o entendimento a respeito do aumento da remuneração – em desacordo com a Lei Complementar nº 173/2020 – tenha sido diverso do MPC-PR, o Relator manteve em suas razões de decidir a recomendação para revisão e alteração da Lei Municipal nº 26/2010, além da emissão de determinação ao gestor para que dê o devido andamento na realização do Concurso Público nº 01/2018 de Mariópolis para provimento de cargos essenciais. 

 

Informação para consulta processual

Processo nº: 246308/23
Acórdão nº: Acórdão  nº 2362/24 – Tribunal Pleno
Assunto: Representação
Entidade: Município de Mariópolis
Relator: Conselheiro Augustinho Zucchi