Em mais uma edição do evento “Diálogos com o MPC-PR”, o MP de Contas contou com a presença do jurista Daniel Ferreira para debater o tema “O papel do Tribunal de Contas no controle da promoção do desenvolvimento nacional sustentável pela via das licitações e dos contratos administrativos: possibilidades e limites”.
A questão das “licitações sustentáveis” veio com a alteração do art. 3º da Lei Geral de Licitações e Contratos Administrativos n° 8.666/1993, por meio da Lei Complementar 12.349/2010, a qual estabelece na nova redação que:
Art. 3° A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia, a seleção da proposta mais vantajosa para a administração e a promoção do desenvolvimento nacional sustentável e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos.
Apesar da previsão legal, pouco se fala ou mesmo se vê a aplicabilidade dessa nova, finalidade legal das licitações sob os vieses ambiental, econômico e social, tanto no procedimento de sua realização quanto no âmbito do controle e fiscalização dos contratos firmados a partir delas.
No debate mediado pelo Procurador Gabriel Guy Léger e pela assessora jurídica Renata Brindaroli Zelinski, o professor Ferreira destacou a importância do desenvolvimento nacional sustentável” e como os órgãos do Controle Externo podem auxiliar na promoção do mesmo.
A seguir, algumas de suas considerações:
Na sua opinião, é dever dos Tribunais de Contas orientar os gestores para que promovam “licitações sustentáveis”?
Se a Constituição Federal confere aos Tribunais de Contas o dever de fiscalizar e eventualmente tomar providências, evidentemente que para eu fiscalizar e para punir, tenho que primeiro orientar. A razão é simples: o Brasil tem milhares de municípios, só o Paraná tem 399 municípios. É possível imaginar que um prefeito do interior, que via de regra é o farmacêutico, dono do restaurante, o microempreendedor, que ele sozinho tenha condições de compreender a Lei do Direito. Ele não tem. Portanto, o primeiro e um dos seus papeis mais importantes é orientar, sim. Orientar no sentido de buscar a correta interpretação e aplicação do direito para dar chances aos prefeitos, gestores e secretários que saibam desde logo o que é permitido, proibido e obrigatório. Especialmente no que diz respeito à promoção do desenvolvimento nacional sustentável, que é uma novidade, uma mudança de paradigma e torna tudo o que se fez até a edição da Lei n° 12.349/2010 totalmente estranho à nova realidade.
Como o TC pode aprimorar o controle das chamadas “licitações sustentáveis”, sob os vieses econômico, social e ambiental?
A promoção do desenvolvimento se consolida em um tripé – econômico, social e ambiental. A primeira haste, que é a questão econômica, essa pelo jeito, como acabo de verificar do conteúdo do Manual de Licitações desenvolvido pelo TCE-PR, está mais do que resolvida. Sobre a questão desenvolvimentista na esfera do micro empreendedorismo, eu não tenho nenhuma dúvida que o TCE-PR já cumpriu a sua parte. Ele já orientou, já indicou, já capacitou no interior e está à disposição para resolver qualquer questão. Em matéria ambiental, no âmbito da União, nós temos vários lócus em que você encontra indicações de como proceder. Nós temos descrição de objetos, nós temos especificações de contratos, nós temos indicações de marcas de produtos que atendem critérios ambientalmente sustentáveis. Portanto, o TCE-PR pode incorporar no rol de objetos que ele atende adequados. A área mais complexa e, por conseguinte, a que não tem uma resposta pronta, é a social.
Quais as dificuldades de implementar o critério de “sustentabilidade” tanto na execução, quanto na fiscalização?
Eu diria que o grande problema é o “pré-conceito”. As pessoas sempre imaginaram que a licitação fosse para ser resolvida por meio de um objeto e que a satisfação do interesse público se daria com a entrega do objeto em condições licitadas e contratadas. Não, isso não é mais verdade. Na realidade, a licitação, especialmente a contratação pública, tem mira e efeitos que não são aqueles que decorrem diretamente do objeto do contrato. Por exemplo, na contratação do microempreendedor eu não quero a solução economicamente mais vantajosa. Eu quero garantir o empreendedorismo local, eu quero garantir que a geração de emprego e renda se dê no município. Portanto, o que está em discussão não é o preço, mas o retorno, é o resultado do desenvolvimento local. E é isso que não tem sido bem compreendido. Ou talvez isso seja reflexo do medo, pois ninguém sabe exatamente como proceder.
Qual é o reflexo desse novo modelo de “promoção do desenvolvimento nacional sustentável” para a eficiência da Administração Pública?
Não é que se antagonizem, mas a eficiência não necessariamente vai ser atendida pelo “desenvolvimento nacional sustentável”. Tudo depende em que perspectiva eu tomo eficiência. Se eficiência trazer como resposta adequação entre meios e fins; se eficiência trouxer à baila a ideia de economicidade como a melhor utilização de recursos públicos, pode ser que aquilo que se entende como eficiência, não seja compatível com o desenvolvimento sustentável. Um produto que não seja ambientalmente sustentável é mais barato do que esse que demandou uma nova tecnologia, uma preocupação ambiental. Portanto, a solução de eficiência, se vier atrelada a economicidade, ela pode brigar sim com o desenvolvimento sustentável. Na esfera ambiental é o mais visível.