
Ao menos 59 Municípios paranaenses fixaram os subsídios dos presidentes de Câmaras Municipais acima do subteto constitucional, levando-se em conta os valores vigentes até 31/12/2024. Além disso, 62 Municípios não propuseram ato normativo para fixação dos subsídios para a legislatura de 2025 a 2028.
Isso foi o que revelou um levantamento feito pelo Ministério Público de Contas do Paraná (MPC-PR), por meio de seu Núcleo de Apoio Estratégico (NAE), junto às 399 Câmaras Municipais do Estado. Com o objetivo de compreender as práticas de fixação de subsídios, o estudo analisou os valores estabelecidos para os cargos de prefeito, vice-prefeito, presidente de Câmara e vereador, com foco na conformidade em relação aos limites constitucionais de remuneração.
As informações coletadas foram reunidas em um relatório de análise técnica, visando apoiar tecnicamente a atuação institucional do MPC-PR e ampliar o conhecimento sobre a realidade remuneratória dos agentes políticos municipais do Paraná.
Panorama do Estado
Com base nas 378 respostas obtidas, o MPC-PR calculou um gasto mensal médio com subsídios em R$ 37.356.043,77 no Estado, considerando apenas o valor nominal dos subsídios e a quantidade de agentes políticos municipais, excluindo-se os encargos sociais e demais despesas.
Os dados também apontaram que 38 municípios escalonaram os subsídios durante a legislatura de forma semelhante ao escalonamento dos subsídios dos deputados estaduais; e que ao menos 50 Municípios limitaram automaticamente os subsídios ao subteto dos deputados estaduais, utilizaram-se dessa limitação para fixarem subsídios acima do subteto e assim, durante a legislatura, reajustarem conforme o valor aumente.
O relatório ainda constatou que determinados municípios optaram por adotar a população projetada, em detrimento da população censitária oficialmente apurada, como parâmetro para a fixação dos subsídios. Tal escolha evidenciou-se como estratégia para justificar valores de subsídio superiores aos que seriam legalmente permitidos caso se utilizasse a população censitária, em possível afronta aos critérios estabelecidos pela legislação vigente.
Metodologia utilizada
Os dados foram coletados por meio de formulário eletrônico encaminhado para todas as 399 Câmaras Municipais do Paraná, além da utilização de bases de dados do Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social (IPARDES) que contêm dados oficiais do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) quanto a população censitária e projetada, e bases de dados do Tribunal de Contas do Paraná.
A partir das 378 respostas obtidas, o Núcleo de Apoio Estratégico promoveu um estudo exploratório, por meio do qual buscou-se informações acerca da fixação dos subsídios de vereadores, procurando compreender os mecanismos adotados pelos Municípios para pagamento dessas despesas, a fim de instruir posterior atuação do MPC-PR e/ou Tribunal de Contas do Estado (TCE-PR) para a correção de eventuais irregularidades constatadas.
Legislação e jurisprudência aplicável
A Constituição Federal, em seu art. 29, VI, estabelece que os subsídios dos vereadores devem ser fixados pela Câmara Municipal a cada legislatura para a subsequente, respeitando limites conforme o número de habitantes do município. No entanto, o texto constitucional não especifica se o critério populacional deve se basear na população censitária ou estimada, o que pode gerar interpretações distintas e insegurança jurídica.
A população estimada é divulgada anualmente e é utilizada pelo Tribunal de Contas da União (TCU) para o cálculo da quota-parte do Fundo de Participação dos Municípios (FPM), conforme se pode inferir do artigo 102 da Lei nº 8.443/92. Além disso, a população estimada também é o critério no caso de rateio de recursos dos depósitos judiciais entre municípios da mesma circunscrição judiciária no âmbito do regime especial de precatórios, nos termos do artigo 101, § 2º, inciso II, alínea b, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. Contudo, dada as flutuações que a população estimada pode assumir no decorrer dos anos, Municípios que figuram nos limiares de uma faixa de subtetos dos subsídios, em um exercício poderão estar dentro do teto e em outro não.
Outro ponto importante é o princípio da anterioridade dos subsídios. Para os vereadores, a CF/88 exige que o subsídio seja definido na legislatura anterior. Já para prefeitos, vices e secretários, não há essa exigência expressa na Constituição Federal. Sobre essa questão, o TCE-PR admite a fixação dentro da própria legislatura para os cargos do Poder Executivo Municipal, conforme a decisão de caráter vinculante com força normativa expressa no Acórdão nº 465/12, no processo de Consulta nº 160655/11. No entanto, tanto o Supremo Tribunal Federal (STF) quanto o Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR) possuem entendimento contrário, exigindo também a anterioridade para esses cargos, o que agrava a insegurança jurídica.
Em relação a revisão dos subsídios, o STF tem decidido que esses valores não podem ser reajustados durante a legislatura, devendo o valor fixado ser mantido durante os quatro anos, até que outro ato normativo fixem os subsídios para a próxima legislatura. Esta temática, inclusive, é objeto do Recurso Extraordinário nº 1344400 (Tema 1192), com repercussão geral reconhecida e que suspendeu todos os processos semelhantes no país.
Ligada a essa questão, observou-se que alguns municípios escalonaram os subsídios dentro da legislatura, ou seja, fixaram valores que vigeriam em 2025, 2026, 2027 e 2028, alguns adotando a mesma sistemática para os subsídios dos deputados estaduais replicando a Lei Estadual nº 21.343/2022. Nesses casos, não há informação de que ainda assim haverá aplicação de reajuste sobre o valor do subsídio em cada exercício financeiro.
Outro ponto de discussão no âmbito dos subsídios dos agentes políticos municipais é quanto a observância do princípio da especificidade do ato normativo que os fixem. Tal princípio está presente nos incisos V e VI do artigo 29 da CF/88, com redações distintas quando trata dos subsídios dos vereadores e prefeitos. Para prefeito, vice e secretários, a CF exige lei específica. Já para vereadores, não há menção a “lei”, e sim de que os subsídios serão fixados pela Câmara, por ato próprio. Contudo, leitura conjugada do artigo 29, inciso VI, com o artigo 37, inciso X, ambos da Constituição Federal, revela que o subsídio somente pode ser fixado ou alterado por lei específica, observada a iniciativa privativa em cada caso.
Entretanto, é comum nos municípios do Paraná a mesma lei que veicula os subsídios do prefeito, vice-prefeito e secretários municipais também estabelecerem os subsídios dos vereadores. No âmbito estadual, a Lei nº 21.348/2022, do Paraná, adota idêntico procedimento fixando os s subsídios do Governador, do Vice-Governador, dos Secretários de Estado e dos Membros da Assembleia Legislativa. Ocorre que tal prática está sendo contestada judicialmente, conforme inúmeros julgados pelos Tribunais de Justiça de todo o Brasil, que têm invalidado leis municipais que definem os subsídios dos vereadores, alegando que isso é inconstitucional. No mesmo sentido, o STF tem o entendimento de que a fixação do subsídio dos vereadores é ato privativo da Câmara Municipal.
Um outro ponto diz respeito ao princípio da irredutibilidade do subsídio. O artigo 37, inciso XV, da CF/88 estabelece que es subsídios são irredutíveis, ressalvadas as exceções previstas na própria Constituição. A Constituição do Estado do Paraná possui redação idêntica.
Sobre isso, entende-se que a lei municipal pode fixar os subsídios sem levar em consideração o atual valor, inclusive em patamares inferiores aos já praticados pelo respectivo Município. Isso se dá pelo princípio da legislatura – fixa-se em uma legislatura para viger para próxima –, pois a lei municipal possui característica de lei temporária, ou seja, regulará o subsídio para aquele período constitucionalmente determinado ou até que outra a modifique (artigo 2º do Decreto Lei nº 4.657/42 – Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro).
Por sua vez, a redução do subsídio não pode implicar em diminuição da remuneração dos demais servidores, dado que o subsídio do prefeito municipal é o seu teto. Esse é o entendimento do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), o qual tem reconhecido a inconstitucionalidade de leis municipais que reduzem os subsídios dos prefeitos quando estes repercutem nas remunerações dos servidores municipais.
Os subsídios e as regras fiscais
A Constituição Federal também estabelece algumas regras fiscais para as Câmaras Municipais, de modo que tais regras repercutem na fixação dos subsídios dos vereadores. Confira os principais pontos:
- Limite por população: Os subsídios dos vereadores devem respeitar os subtetos vinculados à população censitária, conforme percentuais sobre os subsídios dos deputados estaduais. Vincular os valores diretamente à Lei Estadual nº 21.348/2022, com escalonamento automático, é irregular.
- Limite de despesa com subsídios: A remuneração total dos vereadores não pode ultrapassar 5% da receita do município, embora a Constituição não esclareça qual base da receita deve ser utilizada (tributária, corrente líquida ou outro critério).
- Novo limite a partir de 2025 (EC 109/2021): A despesa total do Legislativo, incluindo subsídios e gastos com pessoal e pensionistas, será limitada por percentual conforme o número de habitantes, relativos ao somatório da receita tributária e das transferências previstas no § 5º do artigo 153 e nos artigos 158 e 159 da Constituição Federal realizada no exercício anterior.
- Limite com folha de pagamento: As Câmaras não podem gastar mais que 70% de sua receita com folha, incluindo os subsídios dos vereadores.
- Limite de pessoal do Legislativo (LC 101/2000, art. 20): As despesas de pessoal não podem ultrapassar 6% da receita corrente líquida.
- Vedação a aumentos pós-mandato (LC 101/2000, art. 21, III): É nulo o ato que gere aumento de despesa com pessoal com parcelas previstas períodos posteriores ao final do mandato do titular do Poder.
- Vedação a planos de carreira com efeitos pós-mandato (LC 101/2000, art. 21, IV, “b”): Também é nulo o ato legal que aprove, edite ou sancione planos de carreira ou reajustes quando resultar em aumento de despesa com pessoal que preveja parcelas a serem implementadas em períodos posteriores ao final do mandato do titular do poder executivo.
- Teto para subsídios do prefeito: O subsídio do prefeito não pode ser superior ao dos desembargadores do TJ-PR, conforme estabelece o inciso XI do artigo 27 da Constituição do Estado do Paraná.
Ações futuras
A partir da análise dos dados coletados, o Núcleo de Apoio Estratégico (NAE) sugeriu a instauração de procedimentos de apuração preliminar (PAP) para uma investigação individualizada da situação concreta nos municípios em que foram observados indícios de irregularidades, bem como sugeriu o encaminhamento dos dados ao Procurador-Geral de Justiça, para fins de deliberação quanto a propositura de Ação Direta de Inconstitucionalidade.
Por sua vez, o estudo também pode ser utilizado para a promoção de medidas voltadas a orientação das Câmaras Municipais, seja por meio da expedição de recomendações administrativas ou pela realização de cursos e produção de materiais educativos (manuais e cartilhas).
Ao reunir, analisar e sistematizar dados, normas e entendimentos jurisprudenciais sobre a fixação dos subsídios dos agentes políticos municipais, esse levantamento técnico realizado pelo MPC-PR contribui não apenas para orientar a atuação institucional, mas também para promover maior segurança jurídica e padronização de boas práticas na gestão pública local.
A iniciativa reafirma o compromisso do MPC-PR com o fortalecimento do controle preventivo, colaborando para uma administração pública mais responsável, técnica e alinhada aos princípios constitucionais.
Para conferir a íntegra do Relatório de Análise Técnica, acesse aqui.