MPC-PR fiscaliza irregularidades no regime remuneratório de procuradores em São José dos Pinhais

Portal de entrada do Município de São José dos Pinhais, o qual faz parte da região metropolitana de Curitiba. Foto: divulgação.

O Município de São José dos Pinhais deve, no prazo de 90 dias, adotar medidas para instituir a remuneração dos Procuradores Municipais por subsídio, em conformidade com a decisão de caráter vinculante proferida no Acórdão 1457/19, do Tribunal de Contas do Estado (TCE-PR). 

Essa foi a decisão dos membros do Tribunal Pleno do TCE-PR, ao julgar parcialmente procedente Representação apresentada pelo Ministério Público de Contas do Paraná (MPC-PR), em face do Município de São José dos Pinhais, em razão de irregularidades na fixação da remuneração dos Procuradores Municipais.  

Entenda o caso 

A Representação n° 66511/24 foi proposta pela 5ª Procuradoria de Contas do MPC-PR, após denúncia encaminhada ao canal de comunicação faleconosco@mpc.pr.gov.br. Em suma, o denunciante alegava que o pagamento de honorários sucumbenciais ao Procurador-Geral do Município, um cargo comissionado, estaria em desacordo com o Acórdão nº 79/2022 do TCE-PR.  

Para investigar os fatos, foi instaurado preliminarmente o Procedimento de Apuração Preliminar – PAP nº 15/2023, por meio do qual solicitou-se esclarecimentos e documentos à municipalidade. Em resposta, a Coordenadoria do Sistema de Controle Interno do Município apresentou um memorando assinado pelo Presidente da Associação dos Procuradores da Administração Direta do Município de São José dos Pinhais, Everson Luiz da Silva, informando que o Procurador-Geral representa o Município em todas as esferas, incluindo judicialmente, conforme previsto pela legislação municipal no § 2º do art. 2º da Lei Complementar Municipal nº 137/19. 

Em relação aos pagamentos, esclareceu que a Lei Municipal nº 3.802/2021 confere aos advogados públicos e ao Procurador-Geral do Município o direito ao recebimento de honorários sucumbenciais, divididos igualmente, respeitando o teto remuneratório e que, de acordo com a Ata nº 23 do FEP-SJP, foi decidido o pagamento de 13º salário sobre as verbas honorárias, com os recursos do Fundo repassados ao Município para pagamento em folha, junto com a verba pública. 

Após análise do contraditório, a 5ª Procuradoria de Contas (5PC) identificou a irregularidade no pagamento de honorários sucumbenciais ao Procurador-Geral do Município pois, embora tal cargo seja comissionado, a Lei Municipal nº 1500/2010, em seu art. 36, estabelece que os Secretários Municipais e o Procurador-Geral receberão subsídios fixados em lei. No entanto, verificou-se que os repasses de honorários sucumbenciais aos advogados efetivos e ao Procurador-Geral ocorrem mensalmente e são processados em folha de pagamento, sob a rubrica “Sucumbência/Produtividade – Art. 6º, I”. Também foram identificados pagamentos adicionais de honorários nos meses de junho e dezembro de 2023, a título de décimo terceiro, sem considerar o teto remuneratório.  

Conforme destacado pela 5PC, a jurisprudência e as normas indicam que os honorários sucumbenciais devem ser pagos apenas aos advogados públicos efetivos, não aos cargos comissionados, e que, de igual forma, a legislação e decisões recentes reforçam a exclusividade das funções de advocacia pública para servidores efetivos. Assim, é necessário que o Município suspenda o pagamento de honorários sucumbenciais ao Procurador-Geral comissionado e restrinja as funções dos comissionados às atividades de chefia e assessoria, conforme estabelece o Prejulgado nº 06 do TCE-PR. 

Quanto ao pagamento de cotas adicionais, como o décimo terceiro, frisou que estas não podem exceder o teto remuneratório constitucional, de modo que o Município deve ajustar os pagamentos de honorários sucumbenciais para garantir que não ultrapassem o teto permitido.  

Instrução do processo 

Após recebimento da Representação, o Relator Conselheiro Ivan Lelis Bonilha, mediante os Despachos nº 666/24 e nº 1043/24, deferiu o ingresso da Associação dos Procuradores da Administração Direta do Município de São José dos Pinhais (APMSJP) e da Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional do Paraná (OAB-PR) na condição de amicus curiae (expressão latina que significa “amigo da Corte”, utilizada para designar uma terceira parte que será admitida no processo para esclarecer informações e questões técnicas). 

Ambas as entidades apresentaram manifestações a fim de afastar as irregularidades, alegando, ainda, uma suposta incompetência do Tribunal de Contas para processar eventual inconstitucionalidade de Lei Municipal nº 3.802/2021 de São José dos Pinhais, que regulamenta a distribuição da verba ao assegurar o pagamento de honorários de sucumbência aos procuradores e ao procurador-geral. Ademais, tal Lei não faz distinção entre advogados públicos de carreira e os comissionados, de modo que consideram que o entendimento proposto pelo MPC-PR contraria o princípio da isonomia.   

Instada a se manifestar, a Coordenadoria de Gestão Municipal (CGM) destacou que, ao contrário do que alegam as partes, conforme estabelece o art. 1º, inc. XIII, da Lei Complementar Estadual nº 113/2005, compete ao Tribunal de Contas “decidir sobre a legalidade, a legitimidade, a eficácia e a economicidade dos atos de gestão e das despesas deles decorrentes, bem como sobre a aplicação de subvenções e a renúncia de receita, no julgamento de contas e na fiscalização que lhe compete”. No mesmo sentido, a Súmula nº 347 do Supremo Tribunal Federal (STF) estabelece que cabe ao Tribunal de Contas, na análise de casos concretos, “apreciar a constitucionalidade das leis e dos atos do Poder Público”. 

Superada a questão relativa à competência do TCE-PR para analisar a constitucionalidade da Lei Municipal, a unidade técnica apontou que, embora o pagamento em honorários de sucumbência esteja brevemente pautado na supracitada legislação do ente municipal, a situação em questão viola o Prejulgado nº 6 da Corte de Contas, pois o servidor exclusivamente comissionado – chefe de determinado setor da procuradoria – não poderia atuar judicialmente em nome do Município, haja vista ser atividade inerente à advogado público concursado, considerando ainda que os cargos em comissão se destinam a direção, chefia e assessoramento, nos termos do art. 37, inciso V da Constituição Federal.  

Dessa forma, a CGM concluiu seu opinativo pela procedência da Representação, com a emissão de determinações para que o Município cesse os pagamentos de verbas relativas a honorários sucumbenciais a servidores exclusivamente comissionados, devido somente aos Procuradores Municipais efetivos, na forma da lei, e limite as atribuições dos servidores comissionados da Procuradoria-Geral do Município às atividades de chefia, assessoramento e direção, em atenção ao Prejulgado nº 06.  

Por fim, sugeriu ainda a expedição de determinações para que o ente adote providências administrativas necessárias para promover a alteração da legislação que regulamenta o regime remuneratório dos procuradores municipais, a fim de que sejam remunerados por subsídio, assim como para assegurar a incidência do teto remuneratório sobre todos os repasses mensais referentes à honorários sucumbenciais, inclusive cotas adicionais pagas a título de décimo terceiro, em consonância com a decisão do STF na ADI 6053/DF. 

Ministério Público de Contas  

Em nova manifestação, por meio do Parecer nº 722/24, o Ministério Público de Contas do Paraná pontuou que, em que pese os argumentos apresentados pelas partes, os fatos verificados confirmam a necessidade da atuação do TCE-PR como órgão de controle e apontam para a necessidade de adequação por parte do Município.  

Sendo assim, a 5ª Procuradoria de Contas reiterou os fatos apresentados na peça inicial, opinando pela procedência da Representação com expedição de determinações, recomendações e aplicação de multa administrativa à Prefeita de São José dos Pinhais, Margarida Maria Singer, com fundamento no art. 87, IV, g da LC 113/05, em razão da irregularidade relativa ao pagamento de honorários sucumbenciais em favor de servidor comissionado, em contrariedade à jurisprudência do TCE-PR. 

Decisão 

Divergindo parcialmente dos opinativos uniformes da CGM e MPC-PR, o Relator defendeu que o exercício da representação judicial do Município é inerente às funções do Procurador-Geral, uma vez que o art. 131, §1º, da Constituição Federal, aplicável por simetria aos Estados e Municípios, estabelece que os integrantes da carreira da Advocacia Geral da União serão chefiados pelo Advogado-Geral da União, cargo de livre nomeação pelo Presidente da República. Sendo assim, nos termos do art. 22 do Estatuto da OAB e do art. 85, § 19, do Código de Processo Civil, entende que o Procurador-Geral do Município está legitimado para o exercício da advocacia vinculada à função que exerce e, assim, possui o direito à percepção dos honorários de sucumbência. 

Em relação a essa questão, o Relator também observou que os precedentes mencionados na denúncia não trataram especificamente do cargo de Procurador-Geral, visto que o Acórdão 79/22-STP tratou da inconstitucionalidade de dispositivos da Lei n° 1648/18 do Município de Assaí, que permitiam que servidores nomeados para cargos em comissão de assessoramento jurídico pudessem atuar na representação judicial do Município e receber honorários de sucumbência. Já o Acórdão nº 1457/19, que se refere à Consulta formulada pelo Município de Foz do Iguaçu sobre a remuneração dos Procuradores Municipais, eis que a resposta ao questionamento sobre a possibilidade de percepção da verba honorária de sucumbência não fez referência expressa ao cargo de Procurador-Geral. 

Dessa forma, votou pela improcedência da Representação quanto a esse item, ao concluir que a Lei Municipal nº 3.802/2021 não incorreu em irregularidade ao estabelecer, em seu art. 4º, que a distribuição dos honorários será realizada aos integrantes da Carreira de Advogado Público e ao Procurador-Geral do Município. 

Quanto ao pagamento de cotas adicionais de honorários sucumbenciais juntamente com o décimo terceiro, com aparente exclusão dos valores para fins de verificação do teto remuneratório, no caso em exame o Relator considerou que não restou demonstrado que a soma do décimo terceiro e da cota de verbas sucumbenciais pagas aos Procuradores e ao Procurador-Geral do Município de São José dos Pinhais tenha ultrapassado o valor do teto remuneratório que, entre abril de 2023 a abril de 2024, totalizava R$ 37.589,95, que corresponde ao teto dos Desembargadores do Tribunal de Justiça, conforme a tese fixada pelo STF por ocasião do julgamento do RE 663.696/MG, que trata do Tema 510. 

Por fim, em relação ao regime remuneratório dos Procuradores Municipais estabelecido na Lei Complementar Municipal nº 02/2004, não obstante as alegações apresentadas pelo Município, o Relator assistiu razão ao MPC-PR quanto à obrigatoriedade de fixação de vencimentos dos Procuradores por subsídio, por força do disposto no art. 135 (aplicável com base no princípio da simetria) c/c art. 39, § 4º, da Constituição, e em conformidade com o entendimento do TCE-PR fixado no Acórdão 1457/19-STP. 

Acompanhando o voto do Relator, mediante a decisão expressa no Acórdão nº 429/25, os membros do Tribunal Pleno julgaram parcialmente procedente a Representação do MPC-PR, apenas em relação à irregular fixação da remuneração dos Procuradores Municipais por vencimentos, determinando que o Município de São José dos Pinhais institua remuneração por subsídio, em conformidade com a decisão proferida no Acórdão 1457/19-STP, fixando-se o prazo de 90 dias para apresentar as medidas adotadas. 

Após o trânsito em julgado, os autos devem ser encaminhados à Coordenadoria-Geral de Fiscalização para ciência e avaliação das ações fiscalizatórias a serem efetuadas diante da notícia de descumprimento por parte de outros municípios à Consulta, com efeito normativo, que estabeleceu que a remuneração dos Procuradores Municipais deve ser fixada por meio de subsídio (Acórdão 1457/19-STP). 

Recursos 

Em sede recursal, o Município e a Associação dos Procuradores da Administração Direta do Município de São José dos Pinhais apresentaram Embargos de Declaração, alegando que a decisão do TCE-PR apenas determinou a invalidade do modo remuneratório e ordenou sua alteração, sem a necessária indicação do modo e consequências de tal fato. Nesse sentido, argumentam que, conforme estabelece o Decreto-Lei nº 4.657/1942, com redação dada pela Lei nº 12.376/2010, a decisão na esfera controladora que decretar a invalidade de ato/norma administrativa deve indicar de modo expresso as consequências jurídicas, devendo ainda informar as condições para que a regularização ocorra de modo proporcional, equânime e sem prejuízo aos interesses gerais, de forma a não impor aos atingidos, ônus ou perdas anormais ou excessivas. 

Em face disso, requerem que o TCE-PR conheça e de provimento aos embargos de declaração, a fim de complementar a decisão quanto a orientação de como a Administração deve agir para promover a regularização requerida. 

No momento os autos aguardam por nova manifestação do Relator. 

 

Informação para consulta processual

Processo nº: 66511/24
Acórdão nº: 429/25- Tribunal Pleno
Assunto: Representação
Entidade: Município de São José dos Pinhais
Relator: Conselheiro Ivan Lelis Bonilha