Município pode adotar medidas para quitar financiamentos de beneficiários do programa “Minha Casa, Minha Vida”

Conjunto Residencial Albertino Delamuta, localizado no Município de Santa Mariana, em que mais de cem famílias foram beneficiadas a partir de um investimento de R$ 6,6 milhões do Governo do Estado, Governo Federal e Prefeitura.
Foto: Pizolato.

O Município de Santa Mariana protocolou consulta perante o Tribunal de Contas do Estado (TCE-PR), a fim de esclarecer alguns questionamentos sobre inadimplemento por parte dos mutuários de financiamento de imóveis populares, tendo em vista a possibilidade de como isso pode afetar os Municípios diante de um déficit habitacional repentino.  

A petição inicial foi formulada em tese, acompanhada de parecer jurídico e proposta por parte legítima. Diante da apresentação clara dos quesitos, foram atendidos os requisitos de admissibilidade exigidos pelo artigo 311 do Regimento Interno do TCE-PR. O processo de consulta foi recebido pelo Relator Conselheiro Ivan Lelis Bonilha, conforme Despacho nº 1165/24. 

Consulta   

O Município de Santa Mariana apresentou os seguintes questionamentos: 

Questionamento 1 – No caso de haver no Município um conjunto habitacional integralmente financiado por Companhia de Habitação, em que a maioria dos mutuários estão em atraso nos financiamentos e na iminência de serem alvos de ações de reintegração de posse, causando elevado e repentino número de déficit habitacional, poderá o Município assumir as dívidas dos mutuários enquanto questão de ordem pública?  

 

Questionamento 2 – Em caso negativo, poderá o Município, depois de rescindidos os contratos entre a Companhia de Habitação e os mutuários, promover a aquisição de todos os imóveis com o objetivo de, posteriormente, com fundamento na Lei n° 13.465/17, promover à entrega dos títulos de propriedade, de maneira a evitar o déficit habitacional repentino?  

 

Questionamento 3 – Em havendo algumas das possibilidades anteriores, há vedações de se iniciar algumas dessas etapas (compra pelo Município e entrega dos títulos de propriedade) em ano eleitoral ante os comandos do art. 73, §10, da Lei n° 9.504/97? 

Conforme entendimento da Procuradoria Jurídica do Município, a problemática do presente caso é a existência de um conjunto habitacional financiado que esteja com alta inadimplência e risco de reintegração de posse, o que poderia gerar, na visão do Administrador, um déficit habitacional repentino no Município.  

Neste caso, a assunção das dívidas não é recomendada, tendo em vista a possibilidade de configurar desvio de recurso público e gerar prejuízo ao erário, visto que a responsabilidade das dívidas contraídas é entre a COHAB e os mutuários.  

Em complemento, a Procuradoria informou que embora existam motivos distintos e justificáveis do ponto de vista humanitário, entende-se que não haveria justificativa no presente caso para o direcionamento de verbas públicas de ordem geral, pelo fato de que o benefício já seria certo e determinado, não havendo nova seleção de beneficiários, mas sim aqueles que já se encontrariam na posse dos referidos imóveis. 

A aquisição de imóveis pelo Município e posterior entrega de títulos de propriedade é uma opção viável, no entanto, complexa, que dependeria de uma rescisão de contratos entre a COHAB e os mutuários, minimizando possíveis litígios e ações judiciais.  

Tal iniciativa dependeria de um planejamento detalhado, com estudo de viabilidade financeira e aprovação por órgãos competentes; avaliação do impacto orçamentário significativo; necessidade de leis municipais específicas; regulamentação de critérios de seleção, entrega de títulos e formas de financiamento para as famílias beneficiadas. 

Além de todas as cautelas necessárias, há de se considerar as restrições eleitorais, em especial no que diz respeito ao artigo 73, §10º da Lei nº 9.504/97, a qual proíbe a distribuição de bens, serviços ou valores que configurem captação de votos em ano eleitoral. 

Instrução 

Como de praxe, a Supervisão de Jurisprudência e Biblioteca (SJB) manifestou-se apresentando julgados de interesse que possuem força normativa e servem para orientar e direcionar o processo de decisão. Conforme Informação nº 108/24, foram encontrados três processos de consulta com objetos semelhantes ao do presente caso.  

Em seguida, a Coordenadoria de Gestão Municipal (CGM), de acordo com a Instrução nº 6084/24, respondeu aos questionamentos da seguinte forma: 

Resposta 1 – O Município não pode assumir as dívidas dos mutuários em razão da inadimplência, posto que tal conduta, além de ensejar reflexos na destinação dos recursos públicos e possíveis prejuízos ao erário municipal, vai de encontro ao princípio da supremacia do interesse público, ante os impactos possivelmente gerados a outros serviços públicos essenciais. 

Resposta 2 – Não se observam óbices para a aquisição, pelo Município, dos imóveis e posterior entrega dos títulos de propriedade com fundamento na Lei n.º 13.465/17, desde que: i) realizado estudo aprofundado com relação à realidade vivenciada pelo município, da legislação aplicável e dos próprios contratos de financiamento celebrados e não cumpridos, a fim de se averiguar de forma devidamente justificada a imprescindibilidade da aquisição, assim como o interesse público; ii) definida a modalidade de aquisição; iii) realizada a avaliação dos imóveis a fim de se determinar o valor justo de mercado, bem como a análise/estudo orçamentário quanto aos recursos que serão empregados para a aquisição dos bens e demais processos que se fizerem pertinentes; iv) observada a legislação específica quanto à entrega dos bens; v) criadas legislações municipais específicas estabelecendo e regulamentando critérios de seleção, entrega de títulos e formas de financiamento para as famílias beneficiadas, principalmente as que estiverem em situação de vulnerabilidade; e vi) observada demais questões que se fizerem imprescindíveis. 

Resposta 3 – Não se observando quaisquer das exceções elencadas pelo artigo 73, § 10, da Lei n.º 9.504/97, entende-se não ser possível a realização das etapas de compra dos imóveis pelo município e entrega dos títulos de propriedade no ano eleitoral. 

MPC-PR 

O Ministério Público de Contas do Paraná (MPC-PR) expôs seus fundamentos conforme descrito no Parecer Ministerial nº 417/24. Em seu entendimento, trata-se de uma faculdade do Município optar por quitar os contratos em nome dos beneficiários do programa habitacional Minha Casa, Minha Vida, nos moldes da Portaria MCID nº 1.248/2023, desde que a Administração Pública implemente políticas públicas (como estudos técnicos, análise de alternativas e outras disposições para obter critérios objetivos de concessão das subvenções), além de editar lei específica com critérios de elegibilidade e ter previsão orçamentária correspondente.  

No que diz respeito às restrições eleitorais, o MPC-PR concorda com o entendimento da unidade técnica no sentido de que tal prática pode caracterizar distribuição gratuita de bens e serviços de caráter social custeados pelo Poder Público, sendo tais condutas vedadas em ano eleitoral. Desta forma, respondeu aos questionamentos conforme segue: 

Resposta 1  –  Tratando-se de faculdade do ente público local a possibilidade de quitar os contratos em nome dos beneficiários do programa habitacional Minha Casa, Minha Vida, nos moldes da Portaria MCID nº 1.248/2023, deverá a Administração Pública (i) realizar todas as etapas pertinentes às boas práticas na implementação de políticas públicas, por exemplo, estudos técnicos, análise de alternativas e outras disposições para obter critérios objetivos de concessão das subvenções, além de (ii) editar lei específica com critérios de elegibilidade e restrição à imediata alienação à terceiros e (iii) ter previsão orçamentária correspondente, observando-se o PPA, LDO e LOA, requisitos que também se impõem à escolha do ente público em realizar subvenções para os demais casos de financiamento habitacional.  

Resposta 2 – Considerando que se trata também de uma subvenção social, as mesmas diretrizes mencionadas na resposta anterior são aplicáveis a este questionamento.  

Resposta 3 – Sim, a etapa de compra e entrega das propriedades ou a quitação das dívidas dos mutuários pelo ente público são condutas caracterizadas como distribuição gratuita de bens e serviços de caráter social custeados pelo Poder Público e, portanto, vedadas em ano eleitoral, nos termos do art. 73, IV da Lei 9.504/97, salvo a existência de alguma das exceções do § 10 do mesmo artigo. 

Decisão 

O Relator designado ao processo, Conselheiro Ivan Lelis Bonilha, corroborou o entendimento esboçado pelo MPC-PR no sentido de que o contexto da presente consulta, a qual envolve beneficiários do Programa “Minha Casa, Minha Vida”, deve acompanhar as diretrizes traçadas pela Portaria MCDI nº 1.248, de 26 de setembro de 2023.  

Nesse sentido, afirmou que, de fato, faculta-se ao Poder Público arcar com as prestações originariamente atribuídas aos beneficiários, a título de contrapartida, mediante celebração de convênio com o Agente Operador. 

No exercício de tal prerrogativa, não poderá o Município afastar-se de princípios essenciais como a legalidade, a impessoalidade, a moralidade, a publicidade e a eficiência. De igual importância, a previsão das despesas nas Leis Orçamentárias pode ser revista para alterações que se mostrarem necessárias, em consonância com a Lei de Responsabilidade Fiscal.  

O Relator destacou, especialmente, a indicação feita pelo MPC-PR sobre o manual “Política Pública em Dez Passos”, desenvolvido pelo Tribunal de Contas da União, em que são discutidas estratégias hábeis a balizar o necessário estudo técnico prévio à construção de medidas de política pública. 

Em relação à aquisição de imóveis pelo Município e entrega de títulos de propriedade, entendeu o Relator que não há óbice para tal conduta, desde que seja compreendida a complexidade do tema e seja realizada minuciosa análise da situação, da legislação local e dos contratos rescindidos.  

Sobre as vedações eleitorais, o entendimento é uníssono. 

Resposta 

Desta forma, os membros do Tribunal Pleno do TCE-PR, por unanimidade, acolhendo a proposta de voto do Conselheiro Ivan Lelis Bonilha, decidiram por responder à consulta nos termos do Acórdão nº 402/25: 

Questionamento 1 – No caso de haver no Município um conjunto habitacional integralmente financiado por Companhia de Habitação, em que a maioria dos mutuários estão em atraso nos financiamentos e na iminência de serem alvos de ações de reintegração de posse, causando elevado e repentino número de déficit habitacional, poderá o Município assumir as dívidas dos mutuários enquanto questão de ordem pública? 

Resposta: No que se refere ao programa Minha Casa, Minha Vida, faculta-se ao ente público local a possibilidade de quitar os contratos em nome dos beneficiários do programa habitacional, conforme Portaria MCID nº 1.248/2023. Para tanto, deverá a Administração Pública (i) realizar todas as etapas pertinentes às boas práticas na implementação de políticas públicas, por exemplo, estudos técnicos, análise de alternativas e outras disposições para obter critérios objetivos de concessão das subvenções, além de (ii) editar lei específica com critérios de elegibilidade e restrição à imediata alienação à terceiros e (iii) ter previsão orçamentária correspondente, observando-se o PPA, LDO e LOA. Para os financiamentos habitacionais não contemplados no Programa Minha Casa, Minha Vida, silentes previsões normativas autorizadoras da assunção do débito, não poderá o Município assumir a dívida dos mutuários, sob ofensa ao princípio da supremacia do interesse público. 

Questionamento 2 – Em caso negativo, poderá o Município, depois de rescindidos os contratos entre a Companhia de Habitação e os mutuários, promover a aquisição de todos os imóveis com o objetivo de, posteriormente, com fundamento na Lei n.º 13.465/17, promover à entrega dos títulos de propriedade, de maneira a evitar o déficit habitacional repentino? 

Resposta: Sim, desde que observada as diretrizes dispostas no item anterior. 

Questionamento 3 – Em havendo algumas das possibilidades anteriores, há vedações de se iniciar algumas dessas etapas (compra pelo Município e entrega dos títulos de propriedade) em ano eleitoral ante os comandos do art. 73, § 10, da Lei n.º 9.504/97? 

Resposta: Excetuando os casos indicados no § 10 do art. 73 da Lei nº 9.504/97, é vedada a realização de compra de imóveis e entrega de títulos de propriedade em ano eleitoral. 

Informação para consulta processual

Processo nº: 529354/24
Acórdão nº: 402/25- Tribunal Pleno
Assunto: Consulta
Entidade: Município de Santa Mariana
Relator: Conselheiro Ivan Lelis Bonilha