“Ao Município é permitido, dentro da sua esfera de competência, normatizar a segregação de funções no processo licitatório, nada obstando que tal regulação seja por decreto, observando os limites constitucionais e as diretrizes gerais traçadas pela Lei nº 14.133/21, mantendo-se fiel ao arcabouço normativo federal e resguardando os princípios constitucionais da Administração Pública.”
Essa é a orientação do Ministério Público de Contas do Paraná (MPC-PR), a qual foi acolhida pelos membros do Pleno do Tribunal de Contas do Estado (TCE-PR), em resposta à consulta apresentada pelo Procurador do Município de Ponta Grossa, Gustavo Schemim da Matta.
No documento, o ente questionava se a Lei Municipal poderia delimitar os critérios para segregação de funções por fase da licitação, interna e externa, considerando que as previsões no caput do art. 5º e no § 1º do art. 7º da Lei nº 14.133/2021.
Instrução do Processo
Os autos foram distribuídos por sorteio para a relatoria do Conselheiro Fábio de Souza Camargo, o qual se manifestou pelo recebimento da consulta nos termos do Despacho nº 51/24.
Instada a se manifestar, a Coordenadoria de Gestão Municipal (CGM) concluiu que não há qualquer óbice para que Lei Municipal delimite os critérios para segregar funções por fase da licitação, interna e externa, tendo em vista a existência de permissivo constitucional para que os Municípios legislem sobre normas específicas de licitações e contratos administrativos, de acordo com as suas particularidades.
Contudo, ressaltou que esta faculdade constitucional não exime a autoridade máxima do órgão ou entidade municipal de promover gestão de competências e designar agentes públicos para o desempenho das funções atinentes a licitações, de acordo com o princípio da segregação de funções, tendo em vista o dispositivo legal da Lei de Licitações nº 14.133/2021 nesse sentido, além de que as normas regulamentares são voltadas para detalhar e complementar a aplicação de leis, possuindo força normativa para orientar a aplicação prática da legislação.
Sendo assim, a CGM observou que é recomendável que o tratamento e definição da observância do princípio da segregação de funções seja realizado de acordo com o definido na Lei de Licitações, ou seja, através de normativas editadas pela autoridade máxima do órgão ou entidade, tendo em vista a necessidade de maior experimentação neste início de aplicação da mencionada lei e de eventuais ou necessárias adequações da definição de segregação de funções em cada ente ou órgão municipal, de acordo com suas peculiaridades e características fáticas.
Ministério Público de Contas
Mediante o Parecer nº 325/24, a Procuradoria-Geral de Contas destacou que a Lei de Licitações incorporou de maneira taxativa a segregação de funções como princípio a ser observado quando da sua aplicação (art. 5). No mesmo sentido, o art. 7°, § 1° da Lei faz um alerta a autoridade competente acerca da necessidade de observância da segregação de funções, circunstância que impede a designação do mesmo agente público para atuação concomitante em funções mais propensas ao risco.
Por sua vez, a despeito do texto constitucional fixar a competência privativa da União para legislar sobre normas gerais de licitação, a mesma Constituição, em seu artigo 30, inciso I, confere aos Municípios a competência para legislar sobre questões de interesse local, englobando a normatização de aspectos relativos às licitações e contratos administrativos.
Dessa forma, é resguardado aos entes municipais a possibilidade de adaptarem as diretrizes da legislação Federal às suas realidades e especificidades locais, de sorte que não se identificou qualquer impedimento legal à criação de norma municipal, sendo recomendável que essa regulamentação ocorra por Decreto, dada sua flexibilidade e adaptabilidade às necessidades operacionais da administração pública.
Diante do exposto e tendo em vista que o princípio da segregação de funções é essencial para garantir a transparência e a eficiência nas contratações públicas, prevenindo fraudes e conflitos de interesse, o MPC-PR opinou pelo recebimento da consulta e resposta nos seguintes termos:
“Sim. Ao Município é permitido, dentro da sua esfera de competência, normatizar a segregação de funções no processo licitatório, nada obstando que tal regulação seja por decreto, observando os limites constitucionais e as diretrizes gerais traçadas pela Lei nº 14.133/21, mantendo-se fiel ao arcabouço normativo federal e resguardando os princípios constitucionais da Administração Pública.”
Decisão
Em sede de julgamento, por meio do Acórdão nº 3889/24, o Relator Conselheiro Fábio de Souza Camargo acompanhou integralmente a manifestação do Ministério Público de Contas, destacando que, de fato, a publicação por meio de Decreto, e não de Lei municipal, é meio mais apropriado para regulamentar a segregação de funções no âmbito da licitação. Isto porque a regulamentação é instrumento de natureza administrativa, que tem como objetivo assegurar a fiel execução das leis, detalhando os mecanismos e procedimentos que possibilitam a aplicação prática das normas, sem modificar ou violar o conteúdo legal.
Dessa forma, acompanhando o voto do Relator, os membros do Tribunal Pleno votaram, por unanimidade, em conhecer a consulta e, no mérito, respondê-la nos exatos termos sugeridos pelo MPC-PR no Parecer nº 325/24.
Informação para consulta processual
Processo nº: 12004/24 Acórdão nº: 3889/24 – Tribunal Pleno Assunto: Consulta Entidade: Município de Ponta Grossa Relator: Conselheiro Fabio de Souza Camargo