Não fracionamento de objeto de licitação é permitido, desde que devidamente justificada sua excepcionalidade por motivos técnicos e econômicos

Município de Cascavel, localizado na região Oeste do Estado do Paraná. Foto: Leornardo Frederico Sguarezi.

O Tribunal de Contas do Estado do Paraná (TCE-PR) recentemente apreciou processo de Representação da Lei de Licitações referente ao Pregão Eletrônico nº 213/2023 promovido pelo Município de Cascavel. A licitação possuía como objeto a contratação de empresa especializada em softwares nativos de plataforma web para fornecimento de Sistema de Gestão Pública Integrada. 

A Representação foi apresentada por empresa participante da licitação, alegando que o Edital previa aglutinação indevida do objeto e irregularidade na formulação da prova de conceito para fins de habilitação, entre outros. Ao final, requereu a concessão de medida cautelar para suspensão do andamento do certame até julgamento definitivo do processo, para revisão e adequação das exigências mencionadas. 

Recebimento e não concessão da cautelar 

A Representação foi recebida mediante Despacho nº 62/24 do Gabinete do  Conselheiro Ivan Lelis Bonilha, o qual reconheceu a verossimilhança das alegações. No entanto, em que pese os argumentos trazidos na inicial, o Relator entendeu não ser o caso de concessão de medida cautelar, pois a paralisação deve ocorrer quando for verificada flagrante ilegalidade, o que não restou demonstrado. Destacou que, de todo modo, julgada procedente a Representação, poderá incidir a nulidade sobre o procedimento licitatório e os respectivos contratos. 

Contraditório 

O Município de Cascavel apresentou contraditório alegando que atuou dentro dos limites previstos pela Lei nº 8.666/93, que autorizam a possibilidade de fracionamento do objeto quando assim demonstrado ser viável técnica e economicamente. Informou que desde 2019 possui uma infraestrutura para sistemas de informações projetada para suportar múltiplos usuários e tarefas simultâneas, havendo desde então a necessidade de contratação de um software integrado de gestão administrativa, com compartilhamento de banco de dados em comum.  

Em sua defesa, o Município destacou que não existem irregularidades na escolha do objeto, tampouco aglutinação indevida, uma vez que a junção de serviços em um único objeto já se mostrou, em outras experiências, a escolha mais eficiente e econômica para a Administração Municipal. 

Sobre a prova de conceito, a municipalidade aduziu, em suma, que houve um equívoco da licitante ao apresentar a impugnação, pois em nenhum momento o edital exige a aderência à 100% da totalidade dos requisitos; e que a prova de conceito dos itens funcionais do sistema será aplicada em 85% dos módulos previstos no edital, representando uma avaliação de 75% dos itens gerais previstos no processo licitatório. 

Instrução 

A Coordenadoria de Gestão Municipal (CGM), por meio da Instrução nº 1685/24, concluiu pela parcial procedência da Representação. Afirmou que ao contrário do que alegou a empresa Representante, existe uma relação pertinente na aglutinação do objeto, a fim de haver uma padronização nos sistemas para evitar as transições entre mais sistemas, tornando mais efetiva realização do trabalho pelos agentes públicos.  

Logo, válido o argumento do Município de Cascavel de que a contratação de itens em separado não atenderia à sua necessidade, em decorrência de as características do objeto a ser contratado necessitarem de componentes de software, que devem ser integrados para gestão da informação. 

Sobre a exigência da prova de conceito, a unidade técnica explicou que esta prova corresponde a uma apresentação de amostras no contexto de uma licitação, com o objetivo de permitir que a empresa provisoriamente classificada em primeiro lugar no certame, comprove que a solução apresentada satisfaz os requisitos exigidos no Edital.  

Neste caso específico, com base em outras decisões similares do TCE-PR em que houve pronunciamento da Diretoria de Tecnologia e Informação (DTI), entende-se que a exigência da comprovação da prestação de serviço equivalente a 100% aos licitados somente deve ser admissível em casos excepcionalíssimos, desde que justificados de modo prévio e por razões técnicas devidamente circunstanciadas no processo licitatório. Conforme entendimento da DTI, se mostra razoável a exigência de 70% de cada categoria no início do período de implementação. 

Logo, por este motivo, a CGM considerou elevado o percentual definido pelo ente, considerando-o irregular. Desta forma, sugeriu a expedição de Recomendação ao Município de Cascavel para que em futuros processos licitatórios para o fornecimento de softwares, passe a prever a obrigatoriedade de cumprimento de, no máximo, 70% dos requisitos no início do período de implementação, salvo casos excepcionais, justificados de modo prévio e por razões técnicas devidamente circunstanciadas no processo licitatório. 

MPC-PR 

O Ministério Público de Contas do Paraná (MPC-PR), conforme Parecer nº 337/24 da 4ª Procuradoria de Contas, acompanhou o entendimento da unidade técnica, não se opondo ao julgamento pela parcial procedência da Representação, tão somente no que diz respeito à irregularidade na porcentagem exigida na prova de conceito, com a expedição de recomendação ao Município de Cascavel, rejeitando assim os outros pontos apresentados na inicial. 

Decisão 

Em sessão realizada pelo Tribunal Pleno do TCE-PR, o Conselheiro Ivan Lelis Bonilha assistiu razão ao órgão ministerial e à unidade técnica, votandop pela parcial procedência do feito com expedição de recomendação.  

Quanto ao primeiro ponto, constatou que a aglutinação de objeto realizado no Pregão Eletrônico nº 213/2023 não padece de ilegalidade. Muito embora o ordenamento jurídico e a jurisprudência sejam pacíficos ao determinar a divisão do objeto – sempre que possível – no maior número de parcelas, trata-se de regra que prevê exceção. Se o fracionamento do objeto em lotes implicar em prejuízo para o conjunto ou perda de economia de escala, é possível aglomerar os itens, com a devida justificativa técnica e econômica. No caso em exame, observo que o Município de Cascavel logrou êxito em justificar a necessidade técnica e econômica de aglutinação do objeto, mostrando a pertinência da escolha para uniformização nos sistemas. 

O Município também demonstrou satisfatoriamente que o fracionamento seria inconveniente do ponto de vista técnico, haja vista que para o correto funcionamento do objeto da licitação é inviável realizar a contratação dos itens individualmente ou em lotes, uma vez que existe risco de incompatibilidade.  

Quanto ao segundo ponto, o Relator destacou que a Diretoria de Tecnologia da Informação desta Corte já analisou o tema anteriormente, ocasião em que asseverou que a exigência da comprovação de adesão a 100% dos requisitos exigidos somente deve ser admissível em casos excepcionais, mediante prévia justificativa. Na mesma oportunidade, a Diretoria de Tecnologia da Informação entendeu razoável a exigência de 70% de cada categoria no início do período de implementação. 

Desta forma, julgou a representação procedente quanto a este ponto, acatando a sugestão do segmento técnico no sentido de recomendar ao ente representado que, em futuros processos licitatórios para o fornecimento de softwares, passe a prever a obrigatoriedade de cumprimento de, no máximo, 70% dos requisitos no início do período de implementação, salvo casos excepcionais. 

Diante do exposto, conforme termos do Acórdão nº 2299/24, o Relator Conselheiro Ivan Lelis Bonilha votou pelo conhecimento e parcial procedência da Representação em face do Município de Cascavel, com a respectiva emissão de Recomendação nos termos propostos anteriormente.  

O processo encontra-se transitado em julgado, atualmente na fase de execução e monitoramento para cumprimento da Recomendação pelo Município de Cascavel. 

Informação para consulta processual

Processo nº: 17707/24
Acórdão nº: 2299/24 – Tribunal Pleno
Assunto: Representação da Lei de Licitações
Entidade: Município de Cascavel
Relator: Conselheiro Ivan Lelis Bonilha