Cláudia Fernanda de Oliveira Pereira é Procuradora-Geral do Ministério Público de Contas do Distrito Federal (MPC/DF) e Presidente do Conselho Nacional de Procuradores-Gerais de Contas (CNPGC). No MPC/DF há quase 30 anos, Cláudia Fernanda falou ao site do CNPGC sobre o momento atual de crise do sistema de controle externo e como acredita que o Ministério Público de Contas poderá prestar os seus melhores serviços à sociedade.
No RJ, apenas uma conselheira do Tribunal de Contas (TC) estadual, e que era integrante do Ministério Público de Contas carioca, não foi atingida pela Operação Quinto do Ouro, que culminou com a prisão de cinco conselheiros, sendo que o sexto só não está na mesma situação, porque foi o delator. Esse fato acirrou o debate acerca do método de escolha dos conselheiros dos Tribunais de Contas. O que pensa o CNPGC a respeito?
Cláudia Fernanda – A Constituição Federal em vigor prevê que apenas dois membros oriundos de carreiras técnicas componham os Tribunais de Contas, em um universo de outras cinco indicações, que não são técnicas. Esse modelo, ao longo dos anos, comprovadamente, não conseguiu impedir que os entes federados entrassem em estado de colapso financeiro e, tampouco, preveniu ou reprimiu, de forma eficiente e eficaz, condutas irregulares, ilegais e irresponsáveis, a exemplo de obras milionárias desnecessárias/superfaturadas, que tantos prejuízos causam às finanças públicas. A operação Quinto de Ouro, como muitas outras que existem no país, atinge vários conselheiros dessas Cortes. Ela não é a única, infelizmente; é apenas a gota d´água. Isso comprova que o sistema de controle externo atual não possui vacinas e nem antídotos que possam desestimular e reprimir condutas antiéticas. Chegou, portanto, o momento de se discutir se a sociedade quer que esse modelo continue.
No Congresso Nacional, sempre houve várias tentativas de mudança dos Tribunais de Contas. Há diversas propostas na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, inclusive de submissão desses conselheiros a concursos públicos. Como a senhora avalia essa situação?
Cláudia Fernanda – É verdade. Os Tribunais de Contas têm sua raiz histórica no século XIX, mantendo-se praticamente imunes às mudanças até hoje. As tímidas tentativas de alteração malograram. A diferença agora é que o país passa por uma crise sem precedentes. Faltam investimentos e recursos públicos. De repente, a crise está batendo à porta de todos. O consumo caiu. O desemprego aumentou. Ninguém está a salvo. O Estado já não honra mais fornecedores e sua folha funcional. Os serviços de saúde, educação e segurança, apesar de essenciais, encontram-se subfinanciados. Quando isso acontece, chega-se a uma situação extrema em que o Estado e suas instituições são postos em xeque. Por outro lado, a tecnologia passou a unir as pessoas. O brasileiro passou a exercer o seu direito de cidadão e, com ferramentas de fácil acesso, passou a compartilhar informações e opiniões e, desse modo, esclarecido, faz exigências e pressiona. Por isso, o CNPGC vê com bons olhos o atual momento, propício a mudanças positivas.
A Comissão de Constituição e Justiça discute nesse momento se admite a PEC 329, que é de 2013. O CNPGC já se posicionou formalmente a respeito?
Cláudia Fernanda – Sim. Em boa hora, a Câmara dos Deputados retomou a votação no Congresso Nacional. O CNPGC emitiu Nota Técnica favorável à PEC. Nós entendemos que a Câmara dos Deputados deve admitir a proposta de emenda e permitir que haja ampla discussão, após, na Comissão Especial.
A PEC 329 possui basicamente três eixos. A senhora pode falar sobre eles?
Cláudia Fernanda – O primeiro eixo quer mudar o sistema de indicação dos Conselheiros dos Tribunais de Contas. Aposta em um modelo em que deverão integrar essas Cortes quatro Conselheiros que serão recrutados de uma carreira própria, arregimentados por concurso público, além de um membro do Ministério Público de Contas e um servidor dos Tribunais de Contas, Auditor de Controle Externo. O último membro viria dos Conselhos de Fiscalização das profissões, como de Contabilidade, da OAB, etc., e atuaria por mandato, sem vitaliciedade, alternando-se entre eles.
O segundo eixo fala do controle a essas atividades. Como seria?
Cláudia Fernanda – A PEC 329 defende que os Conselheiros dos Tribunais de Contas sejam controlados pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), porque entende que se eles se valem dos mesmos direitos que possuem os magistrados, é justo que se subordinem ao mesmo sistema e deveres. Além do mais, a criação de mais um Conselho, e próprio, apenas para o controle dos membros dos TCs (conselheiros e conselheiros substitutos), que não chegam a 400 integrantes, não parece atender a eficiência. Outro argumento de reforço à submissão dos membros dos TCs ao CNJ está no evidente prestígio que as Cortes de Contas passariam a deter, caminho aberto, ainda, para se repensar o controle, em sede de uma verdadeira Justiça de Contas. Hoje, os Tribunais de Contas proferem seus julgamentos e esses são submetidos ao Poder Judiciário, na forma de ações do Ministério Público ou da sociedade e de quem resolva questioná-los. A sociedade ganharia muito, em tempo, esforços e recursos, se essa dicotomia fosse eliminada. Da parte do MPC, seus procuradores querem o controle e aceitam submeter-se ao Conselho Nacional do Ministério Público (CNPM), que já controla os membros do MP no país.
O último eixo trata do MPC?
Cláudia Fernanda – Sim. Esse eixo defende que a Constituição Federal, ao inserir o MPC no artigo 130, conferiu-lhe deveres, mas não foram dadas todas as ferramentas para o exercício de suas missões. Faltam a autonomia orçamentária e financeira, cuja ausência gera distorções lamentáveis, com ataques que fragilizam a atuação dos Procuradores, o que não se pode admitir. O que se quer, portanto, são melhores condições de trabalho, para uma melhor prestação de serviços à sociedade.
Para concluir, qual mensagem a senhora gostaria de deixar para a Câmara dos Deputados, que tem em suas mãos a possibilidade de receber ou de arquivar a PEC 329?
Cláudia Fernanda Cláudia Fernanda – Eu diria aos parlamentares que todos os diretamente envolvidos na questão estão de acordo que o sistema não pode permanecer como está. A população, que é a mais atingida, exige mudanças e quer ser ouvida pelos deputados, representantes do povo. Do mesmo modo, os atuais conselheiros dos Tribunais de Contas, reunidos em sua associação, também querem alterar o atual modelo, conscientes de que o momento vivido hoje no país não aceita, sem discussão, que de R$ 10 a R$ 12 bilhões sejam utilizados ao ano, com o atual sistema, sem que se comprove que vale cada centavo e todo o suor e sacrifício do povo brasileiro. O Ministério Público de Contas também quer mudanças, porque acredita em um controle externo técnico. Nessa discussão, os Procuradores-Gerais de Contas respeitam todos os interlocutores do debate. Não demonizamos a classe política e nem beatificamos a classe técnica. Não colocamos a discussão dessa forma, que seria simplista demais. O que entendemos é que ela precisa estar inserida no seu contexto. Política se faz no parlamento brasileiro. Nos tribunais de contas, as decisões deveriam ser, apenas, técnicas. Concluindo, então, eu diria aos parlamentares que eles têm em suas mãos uma grande oportunidade, em defesa do que é melhor para o país e para os nossos descendentes. Essa oportunidade exige consciência e responsabilidade, pois poderá servir para reacender a confiança da população em suas instituições, ou para aumentar o descrédito. Para o CNPGC, chegou o momento de fortalecer o sistema de controle externo, remodelando-o e ajustando-o à realidade atual, do século XXI.
Fonte: Rafaela Felicciano/Metrópoles, via Conselho Nacional de Procuradores-Gerais de Contas