Representação do MPC-PR aponta irregularidades no exercício das atribuições de servidores comissionados em Guarapuava

Sede da Prefeitura Municipal de Guarapuava. Foto: divulgação.

O Município de Guarapuava deve, no prazo de 30 dias, promover as adequações necessárias na estrutura e funcionamento da Procuradoria Municipal, a fim de adequar as atividades dos servidores comissionados às funções correspondentes ao cargo que ocupam (chefia, direção ou assessoramento), em conformidade com as diretrizes fixadas nos Prejulgados nº 6 e 25 do Tribunal de Contas do Paraná (TCE-PR). 

O prazo começa a contar após o trânsito em julgado da decisão proferida no Acórdão n° 2746/24, por meio da qual o Pleno da Corte de Contas julgou procedente a Representação apresentada pelo Ministério Público de Contas do Paraná (MPC-PR) contra o Município de Guarapuava.  

Na inicial, o órgão ministerial apontou irregularidades na emissão de pareceres jurídicos em procedimentos licitatórios por servidores comissionados do Poder Executivo local, em violação ao estabelecido nos Prejulgados nº 6 e 25 do TCE-PR, bem como ao contido no artigo 37, V, da Constituição Federal (CF/88). 

Entenda o caso 

Após recebimento de uma denúncia anônima pelo seu Núcleo de Análise Técnica, o MPC-PR instaurou o Procedimento de Apuração Preliminar – PAP n° 01/2023 (Portaria n° 1/23), com o intuito de averiguar a ocorrência de delegação de funções de assessoramento jurídico para agentes públicos ocupantes de cargos em comissão. 

Por meio de consulta ao Portal da Transparência do Município, verificou-se que diversos pareceres jurídicos em licitações foram emitidos por servidores comissionados, vinculados à Procuradoria Municipal. Ocorre que tal situação é irregular, tanto sob a ótica da burla à regra constitucional do concurso público e da violação aos Prejulgados nº 6 e 25 do TCE-PR, ante a descaracterização das funções de assessoramento, chefia e direção, como pela usurpação de atribuição típica dos servidores de carreira da advocacia pública e pela ofensa aos princípios da administração pública, devido à ausência de autonomia funcional dos servidores comissionados para o exercício das atividades com plena independência técnica. 

Diante das impropriedades identificadas, a 5ª Procuradoria de Contas expediu a Recomendação Administrativa nº 01/2023 – 5PC, visando que o Município, na pessoa de seu representante legal, o Prefeito Celso Fernando Góes, adotasse as providências necessárias para ajustar a conduta administrativa às diretrizes fixadas na jurisprudência consolidada do TCE-PR, fazendo cessar a designação de servidores comissionados para o desempenho de atos de assessoramento jurídico permanente do Poder Executivo Municipal, notadamente a emissão de pareceres jurídicos em procedimentos licitatórios. 

Em resposta, o gestor sustentou que os artigos 131 e 132 da Constituição Federal não se aplicam às Procuradorias Municipais e que o TCE-PR exorbitou das competências a ele outorgadas pela Constituição Estadual, ao recomendar sobre qual categoria de servidor seria competente para a confecção dos pareceres jurídicos em sede de procedimentos licitatórios. Nesse sentido, com base na alegada autonomia concedida à administração pública para delimitar sua estrutura de assessoramento, inclusive de representação jurídica, informou que o Município não acataria a Recomendação Administrativa nº 01/2023, por entender que está em desacordo com o regramento jurídico aplicável à matéria. 

Diante da recusa do Município de Guarapuava em adotar as providências corretivas recomendadas, o MPC-PR, no legítimo exercício de suas atribuições constitucionais, resolveu formular Representação contra o ente. 

Instrução do processo 

O Relator Conselheiro Augustinho Zucchi recebeu a Representação e, mediante o Despacho n° 90/24, determinou nova citação do Prefeito Celso Fernando Goes para prestação de esclarecimentos. 

Em síntese, as alegações da defesa retificaram os argumentos da resposta a recomendação do MPC-PR, acrescentando que o quadro de pessoal da Procuradoria-Geral do Município é insuficiente para atender a demanda por serviços jurídicos, o que resultou no deslocamento de uma atribuição para os assessores comissionados. Por fim, manteve o argumento de que o entendimento do Ministério Público de Contas, pela irregularidade da emissão de opinativos jurídicos pelos assessores comissionados, carece de embasamento jurídico e seria contrário a realidade que é amplamente utilizada em outros Municípios do território nacional. 

Instada a se manifestar, a Coordenadoria de Gestão Municipal (CGM) observou que a emissão dos pareceres jurídicos em processos licitatórios ou processos internos é fato incontroverso nos autos, na medida que em sede defensiva o Município de Guarapuava não só admite como também defende essa prática. Nesse contexto, ressaltou que a competência atribuída às unidades federativas para dispor sobre a criação de cargos não autoriza o desrespeito à Constituição Federal quanto aos parâmetros aplicáveis, de modo que opinou pela procedência da Representação. 

Ao final, ainda corroborou com os pedidos do MPC-PR pela aplicação da multa prevista na alínea “g” do inciso IV do art. 87 da Lei Complementar nº 113/2005 ao gestor, bem como a expedição de determinações ao Município para que: 

  1. promova as adequações necessárias na estrutura e funcionamento da Procuradoria Municipal, a fim de adequar as atividades dos servidores comissionados às funções correspondentes ao cargo que ocupam – chefia, direção ou assessoramento –, em conformidade com as diretrizes fixadas nos Prejulgados 6 e 25 desta Corte de Contas; 
  1. e se abstenha de outorgar a servidores comissionados o desempenho de atos de assessoramento jurídico permanente do Poder Executivo Municipal, notadamente a emissão de pareceres jurídicos em procedimentos licitatórios ou outros procedimentos administrativos submetidos ao crivo da Procuradoria Municipal. 

Por meio do Parecer n° 410/24, o Ministério Público de Contas reiterou os termos apresentados na inicial, pelo provimento da Representação, com aplicação de multa e envio de determinações.  

Decisão 

Em sede de julgamento, o Relator destacou que diferentemente do que tenta alegar o Município, a Representação se refere a proibição de delegação de funções de assessoramento jurídico para agentes públicos ocupantes de cargos em comissão, não havendo qualquer questionamento do Ministério Público de Contas em relação a estruturação dos serviços e órgãos internos da municipalidade. 

No mesmo sentido, lembrou que a prerrogativa dada aos Municípios para disporem sobre a organização de suas assessorias jurídicas e o fato de os artigos 131 e 132 da Constituição Federal Carta não tratarem expressamente das procuradorias locais não outorga ao Chefe do Poder Executivo irrestrita discricionariedade para decidir sobre o tema, especialmente quando se considera as limitações impostas pelos incisos II e V do art. 37 da CF/88.  

O Relator também observou que o Supremo Tribunal Federal (STF) já decidiu pela impossibilidade de delegação de atividades típicas da advocacia pública a ocupantes de cargos comissionado (Recurso Extraordinário nº 1.288.627/SP). De igual forma, o Prejulgado n° 6 do TCE-PR estabelece que o trabalho desenvolvido pela Assessoria Jurídica constitui atividade de caráter permanente, admitindo a criação de cargos comissionados da área jurídica apenas para assessoramento direto de autoridades. Portanto, o servidor comissionado não pode desenvolver atividades de representação ou assessoramento do Poder como um todo, já que estas funções são típicas dos servidores de carreira. 

Além disso, a respeito da criação de cargos comissionados, o Prejulgado n° 25 do TCE-PR também prevê que (i) a função de assessoramento diz respeito ao exercício de atribuições de auxílio, quando, para o seu desempenho, for exigida relação de confiança pessoal com o servidor nomeado, hipótese em que deverá ser observada a compatibilidade da formação ou experiência profissional com as atividades a serem desenvolvidas, cabendo à lei em sentido formal a indicação dos requisitos de investidura no cargo ou função comissionada; (ii) e que é vedada a criação de cargos em comissão exclusivamente para o exercício de atribuições técnicas-operacionais ou burocráticas. 

Diante do todo o exposto e da resistência do gestor, ao omitir-se na adoção de qualquer medida para a correção das irregularidades apontadas, os membros do Tribunal Pleno acompanharam, por maioria absoluta, o voto do Relator, a fim de julgar procedente a Representação, com a aplicação da multa ao Prefeito Celso Fernando Goes, e expedição das determinações propostas pelo Ministério Público de Contas. Cabe recurso contra a decisão, expressa no Acórdão nº 2746/24. 

Informação para consulta processual

Processo nº: 571144/23
Acórdão nº: Acórdão  nº 2746/24 – Tribunal Pleno
Assunto: Representação
Entidade: Município de Guarapuava
Relator: Conselheiro Augustinho Zucchi