Os membros do Pleno do Tribunal de Contas do Estado (TCE-PR) julgaram parcialmente procedente Representação apresentada pelo Ministério Público de Contas do Paraná (MPC-PR) contra o Município de Arapongas. O motivo foi a irregular terceirização do serviço público de saúde, que também resultou na aplicação da multa prevista no art. 87, IV, “g” da Lei Complementar n° 113/2005 ao Prefeito Municipal Sérgio Onofre da Silva (gestão 2017-2020 e 2021-2024).
Na decisão, expressa no Acórdão n° 2107/24, o Relator Conselheiro Ivens Zschoerper Linhares pontuou que mesmo transcorrido seis anos do protocolo da Representação, o ente municipal não demonstrou nos autos a adoção de medidas efetivas voltadas à resolução das irregularidades apontadas, uma vez que o quadro de servidores permanece com mais de uma centena de cargos de médicos vagos.
Sendo assim, foi expedida determinação para que, no prazo de 90 dias, o Município de Arapongas apresente um plano de ação, elaborado com a participação da Secretaria Municipal de Saúde e da Secretaria Municipal de Finanças, contendo ações a serem adotadas, com respectivos prazos e responsáveis, inclusive quanto à disponibilização de recursos orçamentários e financeiros, a fim de viabilizar a contratação de profissionais médicos aprovados em concurso público.
Entenda o caso
Entre julho de 2017 e agosto de 2019, o Ministério Público de Contas executou um projeto especial de fiscalização, visando a apuração de informações acerca das contratações de empresas e/ou pessoas físicas para prestação de serviços médicos pelos Municípios do Estado.
Arapongas foi um dos Municípios analisados, tendo sido verificado pelo MPC-PR que, apesar da Lei Municipal dispor de 151 vagas para cargos efetivos de médico, apenas 24 deles foram preenchidos na época. Desses cargos ocupados, apenas um era de médico plantonista, de modo que o Município realizava a contratação terceirizada de médicos para a prestação de serviços de plantão. Somente em 2017, foram realizados quatro procedimentos de inexigibilidade de licitação para credenciamento de empresas para a realização de plantões, no valor total de aproximadamente R$ 12.353.280,00.
Para o MPC-PR, tais fatos configuram a terceirização irregular de serviços na área da saúde, tendo em vista que a prestação de saúde básica deve ser executada por servidores concursados, sobretudo, na realização de plantões médicos nas Unidades de Pronto Atendimento e Unidades Básicas de Saúde, conforme prevê a os arts. 37, II, e 199, § 1º, da Constituição Federal, e 39, da Constituição Estadual.
O órgão ministerial também identificou irregularidades no que diz respeito aos procedimentos licitatórios, em razão da i) ausência de assinatura de contrato individualizado com os prestadores de serviço credenciados, em ofensa aos arts. 24 e 25 da Lei Estadual nº 15.608/2004; ii) da contratação de empresas de propriedade de servidores do Município, em ofensa ao art. 9, III, da Lei Federal nº 8.666/93; iii) do excesso de carga horária de trabalho de parte dos profissionais médicos, o que levantava dúvidas acerca da efetiva prestação do serviço público; e iv) do descumprimento parcial da Lei de Acesso à Informação – LAI (Lei Federal nº 12.527/2011), devido à ausência de indicação, nos empenhos emitidos pelo Município, do número de horas executadas, do valor da hora e do nome do médico que realizou os plantões.
Defesa
A Representação foi recebida por meio do Despacho n° 1029/18 (ratificado pelo Acórdão n° 1861/18), que acolheu os pedidos de expedição de medidas cautelares, determinando ao Município de Arapongas que se abstenha de contratar ou renovar contratos com empresas que possuam servidores do Município de Arapongas em seu quadro societário; e que passe a incluir, de imediato, na descrição dos próximos empenhos, os nomes dos médicos responsáveis por realizar os plantões, o número de horas prestado por cada profissional, a quantidade de horas contratadas e o valor pago por hora/plantão.
Em sede de contraditório, o Prefeito Municipal apresentou documentos e solicitou a revogação parcial da cautelar, afirmando que não houve contratação de empresa cujos sócios eram servidores do Município. Tal pedido foi acolhido pelo Relator, por meio do Acórdão n° 2275/18, visto que, após análise das informações apresentadas, verificou-se que os contratos indicados na inicial foram celebrados com empresas integradas por profissionais que não compunham o quadro de servidores do Município de Arapongas ou que dele se desligaram antes da realização do credenciamento.
Em novas manifestações nos autos, o Município sustentou que o índice de despesas com pessoal estava acima do limite prudencial ao menos desde o ano de 2016, o que impossibilitou a realização de concurso público para a contratação de novos médicos, sendo possível apenas para substituição. Defendeu que os credenciamentos foram realizados em caráter complementar, em razão desta situação excepcional.
Informou que realizou concursos públicos em 2019 e 2021 para o cargo de médico geral e outras especialidades, mas que não havia iniciado as contratações por recomendação da Secretaria de Finanças, diante das vedações da Lei Complementar n° 173/2020 e por questões orçamentárias e financeiras. Já em 2023, a municipalidade alegou que vem convocando os médicos aprovados no concurso público realizado em 2019, mas que muitos profissionais não atendem à convocação, tendo até aquele momento sido nomeados apenas sete médicos.
Quanto às demais irregularidades apontadas, sustentou que os editais e contratos firmados com os credenciados possuem dados suficientes, além da indicação de que os plantões serão contratados de acordo com a necessidade específica, não sendo possível individualizar a contratação de maneira a prever a necessidade futura, por meio, por exemplo, de uma escala prévia de 12 meses.
Parecer Ministerial
Em manifestação conclusiva, mediante o Parecer n° 1071/23, o Ministério Público de Contas considerou que a maioria das impropriedades verificadas foram parcialmente sanadas desde a apresentação da Representação, restando apenas a irregularidade relativa à terceirização do serviço público de saúde.
Sobre essa questão, o MPC-PR destacou que embora o Município tenha promovido concursos públicos e esteja realizando a convocação e nomeação dos candidatos aprovados, tal fato não altera a procedência parcial da Representação, uma vez que foi clara a contratação de empresas para executar parte significativa da saúde básica municipal, em que pese a existência de diversos cargos vagos, situação que ainda ocorre na municipalidade.
Dessa forma, em conformidade com os opinativos da Coordenadoria de Gestão Municipal (CGM), o MPC-PR opinou pela procedência parcial da Representação, com aplicação da multa ao Prefeito e expedição da determinação ao Município para que promova a regularização do seu quadro de serviço médico.
Decisão
Em sede de julgamento, o Relator observou que transcorrido seis anos desde a fiscalização promovida pelo MPC-PR, que resultou na Representação em análise, persiste no Município de Arapongas a grave defasagem de pessoal na área da saúde, tendo sido admitidos apenas sete médicos nesse período. Desse modo, o quadro de médicos estaria apenas 20,5% preenchido, o que indica que a situação irregular não se alterou, e que os serviços de saúde, inclusive de atenção básica, continuam sendo executados, em grande parte, por terceirizados.
Dessa forma, acompanhando as manifestações uniformes da unidade técnica e do MPC-PR, o Relator votou pela parcial procedência da Representação, apenas no que se refere à irregular terceirização do serviço público de saúde, à luz do disposto nos arts. 37, II e 199, § 1° da Constituição Federal, com a aplicação de multa ao Prefeito Sérgio Onofre da Silva e expedição da seguinte determinação e recomendação:
I – determinar ao Município de Arapongas e seu atual gestor para que, no prazo de 90 (noventa) dias, apresentem um plano de ação, elaborado com a participação da Secretaria Municipal de Saúde e da Secretaria Municipal de Finanças, contendo medidas a serem adotadas, com respectivos prazos e responsáveis, inclusive quanto à disponibilização de recursos orçamentários e financeiros, a fim de viabilizar a contratação de profissionais médicos aprovados em concurso público;
III – recomendar ao Município de Arapongas e seu atual gestor para que adotem medidas voltadas à revisão do quadro de cargos de servidores médicos do Município, de forma a eliminar cargos cujo preenchimento por concurso público tenha se mostrado inviável e que não correspondam à atenção básica de saúde.
Apesar do voto contrário do Conselheiro Augustinho Zucchi, que divergiu apenas em relação a aplicação da multa ao gestor, o Presidente Conselheiro Fernando de Mello Augusto Guimarães emitiu o voto de desempate, acompanhando integralmente o voto do Relator, conforme a decisão expressa no Acórdão n° 2107/24, publicado na edição n° 3257 do Diário Eletrônico do TCE-PR, do dia 24 de julho de 2024.
Informação para consulta processual
Processo nº: 472257/18 Acórdão nº: Acórdão nº 2107/24 – Tribunal Pleno Assunto: Representação do MPC-PR Entidade: Município de Arapongas Relator: Conselheiro Ivens Zschoerper Linhares