A recomposição inflacionária prevista no artigo 37, X, da Constituição Federal (CF/88) – revisão geral anual da remuneração dos servidores públicos e dos subsídios dos agentes políticos – é permitida durante o estado de calamidade pública decretado em função da pandemia de Covid-19, até 31 de dezembro de 2021. Isso porque o reajuste não é vedado pelas disposições do artigo 8º, I, da Lei Complementar (LC) nº 173/20, que instituiu o Programa Federativo de Enfrentamento ao Coronavírus.
No entanto, somente é possível a concessão de anuênios e quinquênios cujo período aquisitivo tenha sido alcançado até 27 de maio de 2020, nos termos do artigo 8º, IX, da LC 173/20, o qual veda a contagem do tempo decorrido durante a pandemia como de período aquisitivo necessário exclusivamente para a concessão de benefícios que aumentem a despesa com pessoal.
Essa é a orientação do Tribunal de Contas do Estado do Paraná (TCE-PR), em resposta à Consulta formulada em 2020, pelo então prefeito do Município de Campo Bonito, Antônio Carlos Dominiak (gestão 2017-2020), sobre a proibição de concessão de vantagem, aumento, reajuste ou adequação de remuneração durante a vigência das disposições da LC 173/20.
Instrução do processo
O parecer da assessoria jurídica do consulente afirmou que a revisão geral anual de vencimentos não é vedada pela LC 173/20 e que as gratificações por tempo de serviço já implementadas até o dia 27 de maio de 2020 devem ser pagas.
A Diretoria Jurídica do TCE-PR explicou que o reajuste remuneratório é destinado particularmente às reconfigurações ou às revalorizações de carreiras específicas, por meio de reestruturações de tabela remuneratórias, por exemplo. E acrescentou que a revisão remuneratória, ou revisão geral anual, diferentemente do reajuste, trata da reposição da variação inflacionária ocorrida no período; ou seja, não representa melhoria ou aumento remuneratório, pois apenas resgata o poder aquisitivo suprimido pela elevação do custo de vida.
A Coordenadoria de Gestão Municipal (CGM) do TCE-PR ressaltou que é legal a concessão de anuênios e de quinquênios cujo direito tenha sido adquirido até 20 de março de 2020, pois a vigência da LC 173/20 é a partir de 27 de maio de 2020 e essa lei não retroage.
O Ministério Público de Contas (MPC-PR) destacou que a concessão de revisão geral anual, para a recomposição inflacionária da remuneração dos servidores públicos, não é vedada pelo artigo 8º, I, da LC 173/20, desde que observadas as exigências legais, orçamentárias e constitucionais aplicáveis à espécie.
O órgão ministerial salientou que o artigo 8º, IX, da Lei Complementar nº 173/2020 determinou a suspensão da contagem do período aquisitivo de anuênios, triênios, quinquênios, licenças-prêmio e similares. Assim, o MPC-PR frisou que a aquisição e a concessão desses benefícios são vedadas no período de 28 de maio de 2020 – data da publicação da lei – a 31 de dezembro de 2021; mas são permitidas aos servidores que implementaram os requisitos legais até 27 de maio de 2020, por se tratar de direito adquirido.
Legislação
O inciso IV do artigo 7º da CF/88 dispõe que são direitos dos trabalhadores urbanos e rurais o salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim.
O inciso X do artigo 37 da CF/88 fixa que a remuneração dos servidores públicos e o subsídio dos agentes políticos somente poderão ser fixados ou alterados por lei específica, observada a iniciativa privativa em cada caso, assegurada revisão geral anual, sempre na mesma data e sem distinção de índices.
O artigo 8º da LC 173/20 dispõe que a União, os estados, o Distrito Federal e os municípios afetados pela calamidade pública decorrente da pandemia da Covid-19 ficam proibidos, até 31 de dezembro de 2021, de conceder, a qualquer título, vantagem, aumento, reajuste ou adequação de remuneração a membros de poder ou de órgão, servidores e empregados públicos e militares, exceto quando derivado de sentença judicial transitada em julgado ou de determinação legal anterior à calamidade pública; criar cargo, emprego ou função ou alterar estrutura de carreira que impliquem aumento de despesa.
Esse mesmo artigo impede qualquer ente de admitir ou contratar pessoal, a qualquer título, ressalvadas as reposições de cargos de chefia, de direção e de assessoramento que não acarretem aumento de despesa, as reposições decorrentes de vacâncias de cargos efetivos ou vitalícios, as contratações temporárias previstas no texto constitucional, as contratações de temporários para prestação de serviço militar e as contratações de alunos de órgãos de formação de militares; realizar concurso público, exceto para as reposições de vacâncias previstas anteriormente; criar ou majorar auxílios, vantagens, bônus, abonos, verbas de representação ou benefícios de qualquer natureza, inclusive os de cunho indenizatório, em favor de membros de poder, do Ministério Público ou da Defensoria Pública e de servidores e empregados públicos e militares, ou ainda de seus dependentes, exceto quando derivado de sentença judicial transitada em julgado ou de determinação legal anterior à calamidade.
Além disso, de acordo com as disposições do artigo, é vedado aos entes criar despesa obrigatória de caráter continuado; adotar medida que implique reajuste de despesa obrigatória acima da variação da inflação medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), observada a preservação do poder aquisitivo referida na Constituição Federal; contar esse tempo como de período aquisitivo necessário exclusivamente para a concessão de anuênios, triênios, quinquênios, licenças-prêmio e demais mecanismos equivalentes que aumentem a despesa com pessoal em decorrência da aquisição de determinado tempo de serviço, sem qualquer prejuízo para o tempo de efetivo exercício, aposentadoria, e quaisquer outros fins.
Decisão
O relator do processo, conselheiro Artagão de Mattos Leão, afirmou que o texto do inciso I do artigo 8º da LC 173/20 não proíbe a concessão de revisão geral anual. Ele destacou que não se pode confundir revisão, que diz respeito à concessão de aumento real da remuneração para garantir o equilíbrio da condição financeira do servidor, com reajuste.
Artagão lembrou que a revisão geral anual, prevista no artigo 37, X, da Constituição Federal, não gera ganho remuneratório real, mas apenas promove a recomposição da perda inflacionária frente à instabilidade da moeda. Ele acrescentou que o artigo 8º, I, da LC 173/20 não veda a recomposição inflacionária; mas, na verdade, impede eventual aumento real concedido aos servidores, tanto que o seu texto veda expressamente o reajuste acima da variação da inflação e prevê a preservação do poder aquisitivo.
O conselheiro ressaltou, ainda, que a norma é clara ao especificar a impossibilidade de contabilização do período aquisitivo apenas durante o período de exceção. Assim, ele concluiu que os atos jurídicos perfeitos e o direito adquirido devem sem observados. Portanto, é possível a implementação de concessões desta natureza para determinação legal anterior à LC 173/20.
Os conselheiros aprovaram o voto do relator por unanimidade, na sessão de plenário virtual nº 2/21 do Tribunal Pleno, concluída em 18 de fevereiro. O Acórdão nº 293/21 – Tribunal Pleno foi disponibilizado em 1º de março, na edição nº 2.488 do Diário Eletrônico do TCE-PR (DETC). O trânsito em julgado da decisão ocorreu em 10 de março.
Informação para consulta processual
Processo nº: 447230/20 Acórdão nº 293/21 – Tribunal Pleno Assunto: Consulta Entidade: Município de Campo Bonito Interessados: Antônio Carlos Dominiak Relator: Conselheiro Artagão de Mattos Leão
Fonte: Diretoria de Comunicação Social do TCE-PR.