São José dos Pinhais deve suspender cobrança de “taxa de sinistro” de seus contribuintes

Paço Municipal de São José dos Pinhais. O Município faz parte da região metropolitana de Curitiba e conta com aproximadamente 329.222 habitantes (Censo 2022). Foto: Prefeitura Municipal.

O Tribunal de Contas do Paraná (TCE-PR) julgou procedente a Representação apresentada pelo Vereador Silvio Santo Xavier da Costa em face do Município de São José dos Pinhais. O motivo foi a verificação de cobrança indevida no carnê do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU), referente a “taxa de sinistro”, regulamentada pela Lei Municipal nº 1.664/2010. 

Na decisão, proferida no Acórdão nº 3902/24, os membros do Pleno acompanharam as manifestações uniformes da Coordenadoria de Gestão Municipal (CGM) e Ministério Público de Contas do Paraná (MPC-PR), a fim de determinar que, no prazo de 30 dias, contados a partir do trânsito em julgado, o ente municipal se abstenha de cobrar a “taxa de sinistro”. 

Entenda o caso 

Na peça inicial, o Vereador relatou que a Lei Municipal que instituiu a cobrança de “taxa de sinistro” destinada ao Corpo de Bombeiros desrespeita a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que, no Recurso Extraordinário nº 643.247/2017, estabeleceu, com Repercussão Geral reconhecida, que a segurança pública, incluindo medidas de prevenção e combate a incêndios, por se tratar de atividade precípua do Estado, não pode ser sujeita à tributação por meio de taxa. Nesse sentido, alegou que por se tratar de serviço de natureza geral e indivisível, a instituição da referida taxa é inconstitucional. 

Além disso, informou que também estariam sendo feitas cobranças da taxa indevida em alguns tipos de imóveis que a própria Lei não permite, como os imóveis residenciais abaixo de 70m² e imóveis comerciais com área inferior a 100m².  

Ao final, acrescentou que tramitava perante a Câmara Municipal de São José dos Pinhais um projeto de Lei que visava adequar a legislação municipal ao entendimento do STF, protocolado em fevereiro de 2023 e que, no mês de maio daquele ano, passou pela análise da Comissão de Constituição e Justiça com parecer favorável.  

Diante dos indícios de irregularidades, o Relator do processo, Conselheiro Maurício Requião de Mello e Silva, recebeu a representação, determinando a citação do Município para que, no prazo de 15 dias, apresentasse esclarecimentos, conforme consta no Despacho nº 1097/23. 

Defesa 

Em sede de contraditório, o Município de São José dos Pinhais alegou que a Lei Municipal nº 1.664/2010 não foi objeto de ação judicial para declaração incidental de inconstitucionalidade. Portanto, pelo princípio da legalidade administrativa, o ente tem efetuado a cobrança da taxa, uma vez que “havendo lei impositiva determinando e regulando o fato gerador da respectiva taxa é o gestor municipal obrigado a efetuar sua cobrança, sob pena de omissão”. 

No que se refere à suposta cobrança indevida da taxa em imóveis que estariam isentos através do Anexo I da referida lei, o Município sustentou que, em muitos casos, a análise da metragem dos imóveis para a cobrança da taxa deveria ser considerada como um todo, e não de forma fracionada, de modo que defende que os relatórios apresentados pelo representante não condizem com a verdade e não comprovam as irregularidades. 

Em acréscimo, o Município ainda argumentou que é vedado ao Tribunal de Contas o exercício de função jurisdicional, ao considerar que lhe falta competência para realizar eventual controle de constitucionalidade das leis, e que tampouco pode o Tribunal de Contas afastar a aplicação da norma no caso em concreto. 

Instrução do processo 

Instada a se manifestar, a Coordenadoria de Gestão Municipal destacou a competência da Corte de Contas para apreciação do caso em tela, com fulcro com art. 1º, XIII da Lei Complementar Estadual nº 113/2015, bem como na Súmula 347 do STF, aprovada em 13 de dezembro de 1963 e vigente até hoje, que estabelece que “O Tribunal de Contas, no exercício de suas atribuições, pode apreciar a constitucionalidade das leis e dos atos do Poder Público.” 

Superada essa questão, a CGM observou que os serviços de extinção e prevenção de incêndios e de defesa civil não são específicos e divisíveis, de modo que a cobrança de taxa viola a tese fixada pelo STF no Recurso Extraordinário nº 643.247/SP, o art. 145, II, da Constituição Federal e o art. 77 do Código Tributário Nacional. Dessa forma, concluiu seu opinativo pela procedência da representação com expedição de determinação ao Município para que se abstenha de cobrar a “taxa de sinistro” nos boletos de IPTU. 

Parecer Ministerial 

Por sua vez, o Ministério Público de Contas ressaltou que o entendimento da municipalidade a respeito do controle de constitucionalidade realizado por este Tribunal de Contas encontra-se equivocado. Isso porque, é razoável afirmar que, por não exercer o controle jurisdicional, não cabe a este Tribunal o controle concentrado de constitucionalidade da lei municipal que regulamentou a cobrança da “taxa de sinistro” sobre o serviço de segurança. 

Não obstante, observou que de acordo com a interpretação recente da Súmula 347 pelo Supremo Tribunal Federal, competem aos Tribunais de Contas apenas apreciar a lei e, se considerar que ela esteja em desconformidade com a Constituição, afastar a sua aplicação somente diante do concreto. Ou seja, a eficácia da decisão se restringe apenas ao caso concreto analisado, nos termos do Mandado de Segurança nº 35.550/DF, julgado em 13 de abril de 2021.  

Ademais, mediante decisão atualizada acerca do tema, a Suprema Corte complementou que a aplicação da Súmula 347 ocorrerá quando o afastamento da norma for imprescindível para o exercício do controle externo exercido pelo Tribunal de Contas (Mandado de Segurança nº 25.888/DF, julgado em 22 de agosto de 2023).  

Diante do exposto, por meio do Parecer nº 873/23, o MPC-PR concluiu seu opinativo corroborando integralmente a instrução da CGM pela procedência da Representação, bem como a expedição de determinação ao Município de São José dos Pinhais para que se abstenha de cobrar a “taxa de sinistro”, considerando a grave violação ao art. 145, II, da CF, e ao art. 77 do CTN, bem como a tese fixada pelo STF no RE nº 643.247 SP. 

Decisão 

Em sede de julgamento, o Relator acompanhou os pareceres uniformes do Ministério Público de Contas e unidade técnica pela procedência da Representação, reafirmando a competência do Tribunal de Contas para julgar o caso.  

Quanto ao mérito do processo, observou que o Município de São José dos Pinhais tem realizado a cobrança de “taxa de sinistro” por meio do carnê do IPTU, com base na Lei Municipal nº 1664/2010, a qual tem como fato gerador o serviço público municipal de combate a incêndios, prevenção e atendimento a desastres, específico e divisível, efetivamente prestado ao contribuinte ou posto à sua disposição. 

Ocorre que o Supremo Tribunal Federal, em diversas oportunidades, como no Tema 16 da Repercussão Geral e nas ADIs 1.942 e 4.411, consolidou o entendimento de que a atividade desenvolvida no âmbito da segurança pública, inclusa a prevenção e o combate à incêndios, não pode ser remunerada mediante taxa. Portanto, a cobrança da taxa em apreço viola diretamente o art. 145, II da Constituição Federal, segundo o qual a instituição de taxas se destina a serviços públicos específicos e divisíveis prestados ao contribuinte, bem como o art. 77 do Código Tributário Nacional. 

Além disso, a manutenção do Corpo de Bombeiros é de competência estadual, vinculado à Secretaria de Estado da Segurança Pública e não municipal, não cabendo ao Município de São José dos Pinhas cobrar por um serviço que não realiza.  

De todo modo, uma vez que não pode lei municipal, nem lei estadual, instituir taxa para remunerar serviços de segurança pública e defesa civil que, por sua natureza, são gerais e indivisíveis, o Relator votou pela procedência da Representação, com expedição de determinação ao Município para que se abstenha de realizar a cobrança da “taxa de sinistro”, em razão da inobservância do art. 145, II, da CF, do art. 77 do CTN, bem como do Tema 16 do STF (Tese fixada no RE no 643.247 SP). 

Contudo, considerou não ser necessária a instauração de incidente de inconstitucionalidade pois, no presente caso, foi aplicando o entendimento do STF, firmado em sede de repercussão geral, para apreciação da representação que questiona a regularidade da cobrança de taxa. 

Ao final, pontuou que o Projeto de Lei anexado na inicial da representação, que pretendia revogar a Lei Municipal foi rejeitado pela Câmara Municipal de São José dos Pinhais, em agosto do ano de 2023. Sendo assim, reforçou que a Municipalidade deveria considerar revogar o referido diploma normativo, diante de sua inconstitucionalidade. 

Mediante o Acórdão nº 3902/24, os membros do Tribunal Pleno acompanharam, por unanimidade, o voto do Relator, determinando que, após certificado o trânsito em julgado, os autos sejam encaminhados à Coordenadoria de Monitoramento e Execuções (CMEX) para registro, nos termos do artigo 175-L, I e XV, do Regimento Interno. 

Informação para consulta processual

Processo nº: 458976/23
Acórdão nº: 3902/24 – Tribunal Pleno
Assunto: Representação
Entidade: Município de São José dos Pinhais
Relator: Conselheiro Maurício Requião de Mello e Silva