Os membros do Pleno do Tribunal de Contas do Paraná (TCE-PR) julgaram improcedente o Recurso de Revista apresentado pelo ex-Prefeito do Município de Guapirama, Pedro de Oliveira (gestão 01/01/2013 a 31/12/2016), contra o Acórdão n° 3021/22 da Primeira Câmara, exarado nos autos de Tomada de Contas Extraordinária n° 371816/15. Com o julgamento, foi mantida a decisão original pela irregularidade das contas extraordinariamente tomadas e pela aplicação de multas ao ex-gestor.
As irregularidades, referentes aos exercícios financeiros de 2013 a 2015, foram constatadas após inspeção in loco realizada no âmbito do Plano Anual de Fiscalização (PAF) do ano de 2015 do TCE-PR. Em síntese, foi verificada a ocorrência de i) terceirização indevida de serviços médicos; ii) contratação direta e irregular de nutricionista; iii) previsão legal de percentual variável para funções de confiança e outras gratificações; iv) inexistência de registros de admissão de servidores efetivos. Ao final, determinou-se a aplicação de quatro multas administrativas ao ex-Prefeito e emissão de determinações ao atual gestor.
Recurso de Revista
Em sede recursal, o ex-prefeito Pedro de Oliveira interpôs Recurso de Revista contra o Acórdão n° 3021/22, alegando que o Município optou pela contratação via dispensa de licitação, em razão da ausência de profissionais médicos disponíveis para prestação dos serviços. Já em relação a contratação de profissional nutricionista, sustentou que a mesma foi necessária devido ao pedido de exoneração da nutricionista ocupante do cargo efetivo no Município.
Quanto a ausência de registros de admissão de servidores efetivos, informou que após a inspeção do TCE-PR determinou que fossem realizados os processos de registro. Contudo, em que pese ter sido o gestor à época do procedimento, argumenta que seria impossível acompanhar todas as atividades individualmente.
Já em relação ao percentual variável para funções de confiança e outras gratificações, sustentou que desde a promulgação da Lei Municipal nº 269/2011 havia previsão de tal percentual, de modo que defende que não houve dolo ou má-fé de sua parte.
Ao final, alegou a prescrição intercorrente dos autos, tendo em vista que o processo restou sem andamento pelo período de cinco anos e cinco meses, usando como fundamento a o art. 8° da Resolução nº 344, de 11 de outubro de 2022, do Tribunal de Contas da União (TCU).
Instrução técnica
O recurso foi regularmente admitido pelo Relator Maurício Requião de Mello e Silva, mediante o Despacho n° 324/23, que, na sequência, encaminhou os autos para manifestação da Coordenadoria de Gestão Municipal (CGM).
Em uma primeira análise, a CGM opinou pelo não provimento do recurso, ao considerar que não houve prescrição intercorrente, pois ocorreu a adequada citação das partes. Ademais, de acordo com o Prejulgado n° 26 do TCE-PR, não existe este tipo de prescrição, visto que em relação às causas de interrupção, de suspensão da contagem e de aplicação da prescrição intercorrente, o entendimento consolidado é de que “a prescrição sancionatória, interrompida com o despacho que ordenar a citação, reiniciará somente a partir do trânsito em julgado do processo, não tendo aplicabilidade, antes disso, as hipóteses de suspensão e de prescrição intercorrente, cabendo ao Relator assegurar a razoável duração do processo” (Autos nº 541093/17, Acórdão nº 1039/19 do Tribunal Pleno).
Quanto as irregularidades referentes a contratação de pessoal, a unidade técnica entendeu que as contratações de serviço médico sem licitação para atendimentos básicos de saúde constituíram substituição indevida de servidores por serviços terceirizados e que os argumentos apresentados não justificam a contratação do cargo de nutricionista da forma como ocorreu.
Em relação à inexistência de registro de servidores, mesmo intimado da grave irregularidade, o gestor não adotou providências para a regularização do achado. Por sua vez, no que diz respeito a previsão legal de percentual variável para funções de confiança e outras gratificações, também não houve comprovação da conversão dos projetos apresentados em lei, nem da implementação dos pagamentos regulares.
Na sequência, o Município apresentou nova petição, informando que três funcionários, cujo ato de admissão se encontrava ausente no sistema interno do TCE-PR, já estavam aposentados.
Em manifestação conclusiva, a Coordenadoria de Gestão Municipal pontuou que, em que pese a suposta regularização noticiada, tal fato não altera o opinativo anterior, haja vista que os funcionários mencionados não constavam no cadastro obrigatório e, em consulta ao efetivo cadastro no Sistema Integrado de Atos de Pessoal (SIAP), não foi possível encontrar registro vinculado a determinados funcionários. Dessa forma, manteve o entendimento pelo não provimento do recurso.
Parecer Ministerial
O Ministério Público de Contas, por meio do Parecer n° 256/23, destacou que o Tribunal de Contas do Paraná não se submete ao entendimento fixado em resolução pelo TCU, uma vez que são órgãos autônomos, sem vinculação hierárquica, devendo, portanto, ser invalidada a alegação de prescrição intercorrente apresentada pelo recorrente.
De outra parte, no âmbito do TCE-PR a observância aos seus Prejulgados é obrigatória, nos termos do art. 414, do Regimento Interno. Sendo assim, observando-se o disposto no Prejulgado n° 26, também não há embasamento para sustentar a alegação do ex-Prefeito, tendo em vista as irregularidades apontadas se referem aos exercícios financeiros de 2013 a 2015, e o procedimento de fiscalização se iniciou já em 2015, havendo a adequada citação das partes, bem como tempo hábil para apresentação dos contraditórios e dos documentos.
No que se refere à terceirização irregular, o MPC-PR observou que a regra constitucional é a do provimento de cargos públicos pela via do concurso (art. 37, inciso II, da Constituição Federal), sendo que a ausência de prévio e regular certame contamina de nulidade absoluta as demais modalidades de recrutamento de profissionais para atuar nas unidades de saúde do Município.
Além do mais, verificou-se que não houve nenhuma preocupação do ex-gestor em demonstrar que tal situação foi gerada por prévios concursos públicos desertos, ou de se tratar de situação extraordinária e emergencial. Pelo contrário, à época dos fatos, o quadro de pessoal já estava fixado na Lei nº 269/2011, e o Município de Guapirama possuía duas vagas de emprego CLT de médico e outras duas vagas de cargos efetivos, estatutários.
Ocorre que o recorrente assumiu a gestão municipal em 2013, e as contratações das empresas para atender as demandas do Programa de Saúde da Família e os procedimentos de consulta no hospital local se deram em 2014, sendo prorrogadas até fevereiro de 2016, em um custo superior ao que seria dispendido com a contração via concurso público, conforme indicado no Relatório de Inspeção. Apenas em setembro de 2014 é que se promoveu concurso público, o qual foi judicialmente questionado (Ação Cautelar nº 0002531- 38.2014.8.16.0102 e Ação Civil Pública autos nº 0000071-44.2015.8.16.0102) e posteriormente anulado, por não atender as recomendações do Ministério Público local, sendo realizado novo certame em 2015, com a nomeações efetivadas em 2016.
Dessa forma, não obstante se possa reconhecer o saneamento da irregularidade em 2016, a impropriedade está muito bem delineada no Acórdão recorrido, pois as contratações questionadas não abrangiam as hipóteses taxativas em detrimento da contratação de pessoal, previsto no art. 24, inc. IV da Lei n° 8.666/1993, e mesmo que estivesse dentro do referido rol, não foi respeitado o tempo limite pela lei, uma vez que os contratos foram firmados por mais de 180 dias.
Quanto aos demais pontos, o MPC-PR se manifestou no mesmo sentido que a unidade técnica, concluindo pelo não provimento do recurso. Tal opinativo foi reforçado posteriormente por meio do Parecer Ministerial n° 13/24, de autoria da 4ª Procuradoria de Contas, que frisou que as novas informações apresentadas pela municipalidade não foram capazes de afastar as irregularidades constatadas e, portanto, deve ser mantida integralmente a decisão original proferida no Acórdão n° 3021/22.
Decisão
Em seu voto, o Relator Maurício Requião de Mello e Silva, acompanhou as manifestações uniformes da CGM e MPC-PR, pelo não provimento do recurso e manutenção integral do Acórdão n° 3021/22.
Observou que o ente municipal se omitiu quanto a realização de concurso público, utilizou a forma inadequada de dispensa de licitação para realizar as contrações, bem como também desrespeitou os ditames legais aplicáveis à espécie da dispensa, uma vez que foram realizadas para o prazo de 12 meses, sendo que o limite temporal imposto pelo art. 24, IV, da Lei n. 8.666/93 é de 180 dias.
Já no que se refere a previsão legal de percentual variável para funções de confiança e outras gratificações, o gestor não comprovou que os Projetos de Lei n° 24/2015 e 25/2015, que enviou ao Poder Legislativo municipal, foram aprovados e se tornaram lei, e também não existe qualquer comprovação de que foram corrigidos os pagamentos irregulares. A mesma inércia do ex-gestor restou configurada no que diz respeito a inexistência dos registros dos servidores efetivos.
Por fim, quanto ao pleito do recorrente para envio de documentos por Requerimento Externo, o Relator observou que tal conduta se revela contrária ao Regimento Interno e afronta o devido processo legal, pois eivaria o feito de nulidade.
Divergindo parcialmente do Relator, o Conselheiro Fabio de Souza Camargo defendeu o afastamento de três multas, mantendo-se apenas uma das sanções pecuniárias ao ex-gestor, pois considerou que ainda que tenham sido configuradas as irregularidades administrativas, as multas possuem, nesse caso, um caráter mais pedagógico, com efeito moral e educativo, do que financeiro ou punitivo, de modo que entende que apenas uma multa atende perfeitamente a este condão socioeducativo.
Em sede de julgamento, mediante o Acórdão n° 3828/24, os membros do Tribunal Pleno votaram, por unanimidade, em acompanhar o voto do Relator, a fim de julgar pelo não provimento do Recurso de Revista, mantendo integralmente a decisão proferida no Acórdão nº 3021/22 da Primeira Câmara.
Informação para consulta processual
Processo nº: | 54900/23 |
Acórdão nº: | 3828/24 – Tribunal Pleno |
Assunto: | Recurso de Revista |
Entidade: | Município de Guapirama |
Relator: | Conselheiro Maurício Requião de Mello e Silva |